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A mostrar mensagens de março, 2010

A lua nova

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Aproxima-se a Páscoa. A minha Páscoa. Sinto que está perto o meu fim. São muitas as incompreensões e as rejeições. Três anos em que andei pela Judeia e Galileia a anunciar o Reino de Deus e eles a pensar que eu quero ser rei desta terra. Fiz milagres, curei, ressuscitei pessoas, fiz-me próximo e fui censurado por fazer milagres ao sábado, por perdoar os pecados... pensavam eles que eu não podia fazê-lo. Nunca quiseram ver em mim o Filho de Deus. Querem um Messias guerreiro e eu sou um Messias de paz. E agora rezo, nesta última noite, antes de tudo acontecer, para que o Pai que me enviou, me dê força para conseguir suportar tudo. Já mandei reservar a sala para amanhã me despedir dos meus amigos que estiveram sempre comigo... Pedro, homem rude, sempre preocupado comigo, acha que é forte, que se resolve tudo à força... pobre Pedro. Espera-lhe um final parecido ao meu. Tiago, o mais próximo. E a mãe que queria que ele se sentasse à minha direita... temperamento forte, decidido, bastante c

Uma surpresa

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Hoje, na sacristia, tive uma surpresa: ofereceram-me os dois primeiros volumes do Diário de Miguel Torga! Andava à procura deles há tanto tempo e hoje, quase miraculosamente, foram-me oferecidos por uma amiga. E com os dois volumes ainda uma antologia poética de Miguel Torga, organizado pelo próprio. Trazer este tema para aqui não é para agradecer publicamente a esta amiga a prenda - muito lhe tenho a agradecer! - mas é reparar na atenção e na dedicação que os amigos nos têm e que muitas vezes não damos conta. Para mim, este primeiro volume de Miguel Torga, que ainda se tem de abrir à moda antiga, há-de ficar marcado como a "prenda da sacristia". Partilho com ela e convosco a dedicatória deste primeiro volume e a sua primeira página que é um poema. Diz assim a dedicatória: " Cada dia deixamos uma parte de nós próprios no caminho ". O poema chama-se "santo e senha": " Deixem passar quem vai na sua estrada. Deixem passar Quem vai cheio de noite e de lu

À sombra da Cruz

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Jesus, quando decide ir para Jerusalém, sabendo para o que ia, disse aos seus discípulos: "Vamos subir a Jerusalém e o Filho do Homem vai ser entregue aos sumos-sacerdotes e aos doutores da Lei, que o vão condenar à morte. Hão-de entregá-lo aos pagãos, que o vão escarnecer, açoitar e crucificar. Mas ele ressuscitará ao terceiro dia". Entendo esta passagem como um aviso anual para mim. Cada ano, para não dizer cada dia, o Senhor pede-nos atenção, força, coragem, esperança, confiança, fé, não para morrermos por ele, como lhe chegou a dizer Pedro, mas para morrer com ele para depois com ele ressuscitarmos. A cruz é sombra nos dias quentes, é cajado quando andamos cansados, é fonte quando sentimos a sede de Deus, é amor quando sentimos a indiferença ou o desprezo dos outros. A Cruz é bússola quando a nossa vida parece andar desorientada, é espelho quando confrontamos a nossa vida, é glória quando nos sentimos ou somos humilhados. Amanhã começamos uma semana intensa de celebrações

As raves do padre Joaquim

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Comecemos por explicar a palavra rave: festa que acontece fora dos centros urbanos, com longa duração. Nos meus tempos de Seminário era director espiritual o P. Joaquim. Estamos a falar dos anos 1995-1998. E eram famosas as raves do sr. P. Joaquim. Eram quase secretas. Sabíamos que era só para padres, à noite, numa sala do Seminário (não sei se não seria a sala do corvo), com petiscos variados, entre os quais os jaquinzinhos, certamente por homenagem ao aniversariante. Nunca se via nenhum padre a entrar nem a sair e, como era já no final do ano lectivo - dizem as más línguas - que era aí que se sabiam as novidades das nomeações que o Bispo iria fazer em Julho. Alguns de nós mais atrevidos, festa passada, íamos ao frigorífico, já madrugada, dar conta dos restos. Não tenho memória do que teria sido o repasto; lembro-me só dos queijos e dos benditos jaquinzinhos. E, quando estas raves se davam (só aconteceram duas no tempo em que por lá andei), pensava eu: quando for padre vou também faze

A Anunciação do Anjo

Hoje, na Missa escutámos dois textos lindíssimos: o primeiro, da profecia de Isaías que anunciava: " Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, que será chamado Emanuel ". No Evangelho, relato simples mas profundo, a anunciação do Anjo a Maria: " Conceberás e darás às luz um Filho a quem porás o nome de Jesus ". E mais à frente a resposta de Maria " Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra ". Nas duas leituras aparecem dois nomes diferentes: Isaías diz que o filho da Virgem será chamado 'Emanuel' - Deus connosco; o Anjo diz que o Menino se vai chamar 'Jesus' - Deus salva. Dois nomes com a mesma missão. A Anunciação do Anjo, e com ela a encarnação de Jesus, quer-nos dizer a proximidade de Deus para connosco humanos. Por isso, este Menino é verdadeiramente Deus connosco. Mas, ao vir viver connosco tem uma missão concreta: salvar-nos. Por isso, este Menino é o nosso Salvador. Hoje é um dia de festa. Porque esta fo

Anunciações

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Hoje é o dia da anunciação do Anjo a Nossa Senhora. Dia importante porque foi a partir daqui que a humanidade percebeu o quão próximo Deus está de cada um de nós. Um Deus que se faz homem, que quis habitar connosco, para nos conhecer melhor e compreender as nossas alegrias e angústias. Foi também o primeiro dia da gravidez de Nossa Senhora. De hoje a nove meses será dia de Natal. Hoje, para mim, foi também um dia de anúncios. Não de um anjo mas do meu irmão que me entrou no quarto para me dizer que vou ser tio pela segunda vez! Já há muito que a minha sobrinha andava a pedir aos pais... mas da última vez até foi por favor: "Ó pai, por favor, dá-me um irmão!" Estou contente. Foi um bom dia da anunciação.

A casta Susana e a mulher adúltera

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Hoje, na Missa, foi lida a extensa passagem do livro de Daniel, chamada "casta Susana". Para quem não sabe a história ela é fácil de contar: Susana era uma mulher bonita, cobiçada, e que era casada com um homem rico e importante. Tinha, à frente, de sua casa jardins e piscinas. Um dia apeteceu-lhe tomar banho no jardim. Mandou as criadas fechar os portões mas, é molestada por dois anciãos, que tinham ficado dentro do jardim. Querem que Susana se entregue a eles ou então vão lançar um boato de que ela estava com um jovem. Susana não tem um dilema. É óbvio, por isso é casta, que opta pela verdade: " prefiro cair nas vossas mãos sem fazer nada do que pecar contra o Senhor ". Gritaria puxa gritaria, os criados abrem as portas do jardim e os velhos começam a dizer que a apanharam com um jovem que entretanto fugiu. Faz-se o julgamento e Susana é condenada. Enquanto caminho apara a morte reza a Deus queixando-se de que Deus bem sabe que ela está inocente. Deus escuta-a e u

Os lírios

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Já se notam os efeitos da Primavera. Temperaturas mais quentes, as árvores e plantas começam a rebentar e a libertar os seus perfumes. No claustro do convento já nasceram os jarros, despontam as novas folhas da laranjeira e, este ano, com lírios que, mesmo não sendo os bíblicos, nos ensinam que a beleza está na simplicidade. Rebentaram pela primeira vez. Brancos. Naquele canto do claustro onde antes estiveram rosas. É inevitável olhar para eles e não lembrar do elogio que Jesus lhes fez: " Olhai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam! Pois eu vos digo: Nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como qualquer deles ". É bom ter lírios no claustro e ter olhos para poder olhar para eles.

Dias do pai

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Ontem foi dia do pai. E hoje o meu pai faria anos se fosse vivo. Tenho recordações muito antigas do meu pai: lembro-me de ele me levar às cavalitas, de estarmos os dois em casa enquanto a minha mãe trabalhava (de vez em quando os horários não coincidiam). Lembro-me de me perguntar se tinha muita fome ou pouca, lembro-me dos nossos pratos preferidos... Lembro-me de ir levar-me à escola no primeiro dia de aulas... isto tudo antes de nascer o meu irmão. Depois há quase um hiato em que não me lembro de quase nada. O meu pai mudou de emprego, foram mais frequentes os horários em que, quando ia para a escola estava o meu pai a chegar a casa ou o contrário. Depois, como saí cedo de casa (aos 19 anos), mais raramente estava com a minha família. E em vez das visitas a casa, começou a ser mais frequente ir vê-lo ao hospital, a estar mais presente nos jantares de domingo à noite. E uma terceira etapa começou quando o meu irmão também saiu de casa. Aí voltei quase à infância: mais proximidade, des

Arquitecturas e engenharias

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Tenho andado ausente da blogosfera porque têm sido dias de muita correria. Mas, sobretudo, de vários contactos. Contactos com engenheiros e arquitectos. Engenheiros para ver se nos ajudam a resolver de uma vez por todas, as burocracias camarárias do licenciamento da igreja conventual. Depois também ajuda entre engenheiros e arquitectos por causa de infiltrações, pinturas, restauros do convento. Eu, que não percebo nada, só posso dar graças a Deus pelas ajudas que vou tendo para poder resolver algumas questões institucionais. Mas isto é só o exterior. Também nesta semana começaram as confissões nos colégios. Também graças a Deus que não estou só: somos quatro padres que estamos nestes dias a confessar crianças, num colégio, a caminho para a Páscoa. No início desta semana recebi um mail de Tolentino Mendonça. Escrevia-me assim: " Esteve um dia muito bonito. A Páscoa acorda o mundo para a sua beleza ". Isto de ser poeta é mesmo assim. Até um mail pode ser lugar de poesia (Samuel

Precisa-se de um final feliz

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Amanhã, na Missa, vai ser lida, no Evangelho, a parábola do filho pródigo. Todos sabemos quase de cor esta "história": um pai com dois filhos, o mais novo pede-lhe metade da herança, sai de casa, gasta o dinheiro todo; aflito e sem amigos vai ter que trabalhar duro para conseguir algum dinheiro para sobreviver. Entretanto, ao ver os porcos comer bolotas - ele nem isso podia comer - pensa na casa do pai. Que mesmo sendo criado estaria melhor do que a guardar porcos. Decide ir ter com ele. Um dia o pai vê-o ao longe, corre ao encontro do filho, certamente terá chorado, beija-o, abraça-o, manda-o tomar banho e vestir-lhe boa roupa, manda matar animais para fazer uma festa para celebrar o regresso tão desejado deste filho perdido. O filho mais velho, sempre responsável, cumpridor, que fez tudo sempre tão bem feito, quando vem do trabalho ouve barulhos de festa. Um criado diz-lhe o porquê. O filho amua. Acha o pai injusto porque devia castigar o filho e recusa-se a entrar. E lá ve

Quarenta e oito anos

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Faz hoje quarenta e oito anos que foi restaurada a Província Portuguesa da Ordem dos Pregadores (Dominicanos). Quando dizemos isto, algumas perguntam: só? É verdade. Oficialmente só, desde a Republica. No entanto a presença dos Dominicanos em Portugal é bem antiga e está bem datada: Serra de Montejunto (Santarém), 1217 (ainda em vida de São Domingos). Como qualquer Ordem Religiosa, no século XIX, mais precisamente em 1834, são extintos quaisquer casas de religiosos, num decreto assinado por Joaquim António de Aguiar, que ficou na história com a alcunha de "mata-frades". Mas 11 de Março de 1962 é, ao mesmo tempo, um ponto de chegada e igualmente um ponto de partida. De chegada porque já desde os finais desse mesmo século que o incansável fr. Domingos Frutuoso, padre diocesano que se faz dominicano, e que depois será bispo de Portalegre, vai juntando algumas vocações que vão vingando e fazendo reflorir a Ordem Dominicana em Portugal. É esta data um ponto de partida porque o des

Várias coisas do dia de ontem

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Às vezes não é só a vida que é feita de retalhos. Até um dia pode ser como aquelas mantas tão coloridas de retalhos, como as que a minha avó fazia no tear. Não eram quadrados de diferentes tecidos e cores cosidos entre si, mas aquela trama colorida, que ia passando na urdidura, ora nos fios pares ora nos ímpares de onde compassadamente, com paciência e atenção, saía a pesada manta de tear. Pois assim foi o meu dia de ontem. Vários sítios, algumas pessoas, poucas conversas... que aqui vou tecer. Foi dia de celebrar missa no Colégio do Sagrado Coração de Maria, em Arroios. às 8.30h o que supõe sair do convento, o mais tardar, uma hora antes. O metro leva-me quase lá mas o quilómetro que tenho que percorrer confirma os cinco graus que o termómetro tinha indicado. Missa para os alunos do 8º ano. Plena adolescência. Eles e o seu mundo. Nota-se que é uma idade diferente. Há Missa não por ser dia de ir ou por ser Quaresma. Estas Missas que lá vou celebrar são o terminar de uma formação humana

As mulheres da nossa vida

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Hoje é dia da mulher. Não é preciso ser-se muito egoísta para nos lembrarmos daquela que é a grande mulher da nossa vida: a nossa mãe. A coragem em nos ter dado à luz, os trabalhos e canseiras na educação para que não nos faltasse nada, o amor que transformavam as obrigações em doações, as nossas mães são umas heroínas embora não entrem nas listas das mulheres mais famosas ou influentes da sociedade. Falo a partir da mulher da minha vida, a minha mãe. Sei e acredito que para algumas pessoas a referência às mães não é a melhor, a começar por talvez terem sido abandonadas ou por algum corte de relações mais tarde, ou ainda por terem chegado à conclusão que a mãe, afinal, não foi quem lhe deu o pão mas quem lhe deu a educação. Na minha vida há duas mulheres para um lugar: a minha mãe e a minha avó. Não é necessário haver briga nem conflito. Cabem as duas. As duas me deram o pão e a educação. As duas me pegaram ao colo, as duas foram confidentes (aqui tenho que reconhecer que a minha avó f

Sexta-feira de Quaresma

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As sextas-feiras da Quaresma são dias de abstinência. É um dia "sagrado", que nos lembra aquela sexta-feira em que Jesus morreu na Cruz. E que bom seria que fossem também dia de abstinência de más acções, de violências, de mais austeridade e de partilha. Se calhar ainda estamos longe destas abstinências - eu por mim falo - e por isso vamo-nos contentando com o não comer carne, que é mais fácil de cumprir. Há já alguns anos que nas sextas-feiras da Quaresma, pelas 15 horas, hora em que Jesus morreu, tenho o cuidado de parar, fazer silêncio e de rezar um pouco, normalmente a hora intermédia da Liturgia das Horas. E depois oiço, enquanto estou no quarto, uma Paixão de Cristo. Vou variando entre as três de Bach (Mateus, Marcos e João) e uma de um Dominicano, André Gouzes, de São João. Daqui a pouco vou ouvir a de São João, versão Bach. Que começa logo com uma oração do fiel que se dispõe a meditar os passos da Paixão do Senhor: " Senhor, nosso Rei, cuja glória resplandece em

Farisaísmos

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O Novo Testamento não elogia nada este grupo religioso que se achava dono da Lei e das leis e que implicavam com quem não a cumpria. Vemos na vida de Jesus grandes discussões, confrontos entre interpretações da Lei e das leis. Jesus chamou-os de raça de víboras, hipócritas, túmulos caiados de branco, por fora muito apresentáveis mas podres por dentro. Mas se eles aparecem no Novo Testamento não é para ficarmos a conhecer a raça deste grupo. Aparecem-nos como exemplo do que não devemos ser. "Tende cuidado" é o que diz Jesus de quando em vez sobre as atitudes dos fariseus. Escrevo sobre os fariseus porque, infelizmente eles continuam vivos e activos e... católicos! Tenho vindo a ser "confrontado" com atitudes farisaicas destes fariseus que fecham aos homens o Reino do Céu e que ficam à porta e não entram nem deixam entrar (ler Mt 23, 13). Podem pensar: estou a exagerar. Já não há zelosos extremosos pela defesa das leis humanas da Igreja. Pode ser. Pode ser que esteja

O verde

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Falo hoje do verde. Não pela grande vitória do Sporting mas pelo verde que pude contemplar - foi mais que ver - nas planícies do Alto Alentejo. Estive no sábado em Estremoz com uma passagem rápida, já ao final do dia, pela Cartuxa de Évora para entregar um trabalho que um amigo meu lhes fez. Mas foi a simplicidade de Natureza, num sábado de grandes chuvas, uma casa lá longe, um chão verde molhado, algum gado a pastar e muitas oliveiras que encheram os meus olhos. Comprei hoje um livro que procurava há já uns dias: A alegria de ser padre, do Cardeal dominicano Schönborn. São as conferências que ele pregou em Setembro passado em Ars a mil e duzentos padres de todo o mundo. Não sou clericalista. No entanto, não me posso esquecer que sou padre. Vai ser a minha leitura espiritual para estes dias de Quaresma. Deixo-vos uma oração que encontrei logo nas primeiras folhas, oração de Santa Teresinha para ganhar ânimo e coragem para o dia-a-dia (o título da oração no original é "Oração para