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A mostrar mensagens de setembro, 2011

Vidas paralelas I

Neste mosteiro há uma linha (parede, grade) que divide dois tipos de vida: os que vivemos para cá da linha e as que vivem para lá da linha. À outra banda chama-se clausura; a esta banda, hospedaria. A clausura está fechada e vedada a quem não faz parte do grupo, e só se quebra por razões de verdadeira necessidade: alguma avaria que justifique a entrada de alguém, a visita a uma irmã doente por parte do médico ou do padre. Tirando isso, mais ninguém passa, nem mesmo familiares ou amigos. Para isso há a hospedaria, os locutórios (sala separada por uma grade para conversação com as irmãs), ou a roda (sistema de passagem das coisas da rua para o mosteiro). Ao princípio acha-se estranho. Haver sempre alguma coisa que separe, mas depois habituamo-nos à ideia. A própria natureza do mosteiro quase nos obriga a viver do mesmo modo que as monjas excepto numa coisa: do nosso lado está a porta da rua, que se pode usar livremente. É o que tenho feito. Afinal, nem sou, nem estou na clausura.

Primeiras chuvas

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Chegaram as primeiras chuvas a Lamego. Como se de pássaros migrantes se tratasse, vieram suaves, sem ninguém dar conta. Ontem as nuvens, hoje as águas. É um tempo nostálgico. O cheiro a terra molhada, tão próprio e inconfundível, misturado com o que sai dos pinheiros, também aspergidos pela chuva, passarinhos que cantam as suas melodias tristes ou alegres, só eles saberão. Da janela do quarto, onde passo grande parte do dia, vejo as três cruzes que servem ao mesmo tempo de torre sineira ao mosteiro. Olhando para baixo as torres do santuário dos Remédios que, cada quarto de hora nos dizem que o tempo vai passando e, em frente, as montanhas de Trás-os-Montes, hoje encobertas pela neblina. A cidade não se vê. Está lá em baixo, escondida, com o seu barulho e agitação. Aqui já não vai haver barulho o resto do dia. Só há de manhã, para a Missa. Os carros que sobem ao mosteiro, as pessoas que se cumprimentam e o padeiro que vem trazer o pão. Também eu me junto a esta nostalgia. Estes dias são

Pregação em Lamego

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Estou em Lamego. Vim pregar o retiro anual às Monjas Dominicanas. O trabalho de dois meses esgota-se agora em oito dias. É sempre bom voltar a Lamego, mesmo que em trabalho. É como voltar ao centro de tudo. E lembrar Feirão. Mesmo não indo lá, ao olhar da auto-estrada o monte que encima a aldeia ou ver em Lamego o rio Balsemão que serpenteia por montes e vales desde as terras do Rossão, é uma ligação, quase que diria, umbilical. Lamego ainda tem réstias de sol quente. Fins de tarde outonais em que as cores das folhas da videira são gémeas dos raios do entardecer. É nesta paisagem, dura mas doce, que vou passar os próximos dias. Rezando, trabalhando e pregando.

Contingências

São quase duas da manhã e eu ainda acordado. O meu computador avariou. Escrevo de um alternativo, enquanto o avariado formata tudo outra vez para ver se consegue voltar à normalidade. Eu, que não percebo nada de informática, nestas coisas coisas sou como um peregrino errante, para não dizer Xico Esperto, que me ponho a carregar em teclas a ver se dou com a solução. Desta vez carreguei numas que me mandaram criar discos de segurança onde está todo o material, assim o espero. Agora diz que está a recuperar e que depois vai instalar. Que venha em meu auxílio Santo Isidoro de Sevilha, padroeiro das informáticas! Mas já me valeu. Ontem, quando acabei de escrever o retiro que vou pregar na próxima semana - 80 páginas! -, decidi fazer uma cópia para uma pen para hoje ir imprimir, se tivesse tempo. Como não há acasos, dou agora graças a Deus por esta ideia, senão, muito provavelmente, não havia retiro para ninguém. Hoje foi um dia duro. Deitei-me de madrugada porque queria mesmo arrematar o

Em jeito de diário

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Domingo, 18 de Julho de 2011 8.30h - Laudes: Salmos do Domingo primeiro. De tanto rezar estes salmos já quase os sei de cor. Mas o das criaturas ainda me escapa. Só se aprende o refrão: bendizei o Senhor. Orações pelo fr. José Manuel que hoje toma posse. Que Deus lhe dê força e o Espírito Santo o ilumine. 12h - Missa Conventual: A igreja recompõe-se de novo. Começa a transbordar. É bom ver gente atenta ao que se diz e estar à saída a cumprimentar. 16h - Missa em São Domingos de Benfica: Muito escreveria em plano privado. Escrevo só o que não compromete. Acaba, finalmente, um tempo de tensão. Bastantes padres, uns com mais privilégios que outros. Que adianta pregar sobre os últimos serão os primeiros quando os primeiros ficam chateados por serem os últimos? O P. José Manuel Pereira de Almeida é um bom padre. Falou pouco e bem. Foi afável no trato. Pensava que daria um bom bispo mas, se calhar, é melhor que continue só padre. O novo pároco tem presença. Que Deus o conserve. Não

Os amigos

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O Evangelho manda-nos rezar pelos inimigos. Mas não nos proíbe de rezar pelos amigos. E, se calhar, ainda é o melhor que podemos fazer por eles. Pelo menos para os que acreditamos que a oração é um vínculo forte de união. Porque podem-se escrever poemas e livros, procurar citações, aglomerá-los e exibi-los no Facebook (serão todos os amigos do Facebook verdadeiros amigos?)... nunca deixarão de ser só modos de dizer a amizade. Não sei o que é um amigo. Explico-me. Não sei dizer o que é um amigo. Leio coisas e sim, acho que é isso, encontro pessoas e faço o crivo: é meu amigo, conhecido ou irmão? Para mim é tão difícil ter amigos como falar da amizade. Mas existem. Muitos ou poucos, eles existem. Às vezes não os tratamos como eles quereriam ou mereceriam. Às vezes há turbulências, afastamentos, mas eles continuam por ali, mesmo que aparentemente distantes e calados. São os que aguentam os nossos risos e as nossas lágrimas, os que gastam tempo em ouvir-nos ou em aturar os nossos maus feit

Um funeral

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Venho do funeral do Simão Pedro. Continuo a dizer que as palavras são poucas ou estão a mais. Emocionado, celebrei a Missa e fiz o acompanhamento para o cemiério. Aqui deixo a homilia que escrevi e a quem dedico, bem como a todos os que conviveram com o Simão e hoje marcaram a sua presença. (Para ouvir os trechos musicais de que se fala na homilia clique nas palavras sublinhadas. Se pedir para abrir num novo separador não perde esta página). Ontem de manhã, depois de ter estado com o Simão, pus-me a ouvir a paixão de São Mateus, musicada por Bach. Foi de propósito que a escolhi pelo seu início, ao mesmo tempo doloroso e calmo. E a paixão começa com uma entrada do coro que diz: "Vinde, ajudai-me a chorar... Olhai! Quem? O Esposo. Olhai-o! Como? Como um cordeiro. Olhai! O quê? O amor paciente". Pus-me a escrever - estou a preparar um retiro - e de um livro tirei esta citação: “a fé dá-nos respostas quando a razão falha”. Foi neste entretanto que soube da morte do Simão. Meus q

Morreu-me um amigo

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Acabo de receber a notícia da morte daquele meu amigo, de 10 anos. Ainda há duas horas estive com ele, administrando-lhe a santa unção. As palavras são poucas quando vemos que a morte toca crianças inocentes. O avô dizia-me que isto só é compreensível aos olhos da fé. E é verdade. Apesar de tudo, perdemos guerras mas vencemos as batalhas. Que Deus acolha este menino de olhos vivos e que encha o céu de alegria. (Há dois dias o Simão pediu um avião para brincar...)

Terra Santa?

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De repente, nestas férias todos resolveram ir à Terra Santa. Terra Santa que é como quem diz. Olhamos para Israel, para a Palestina, e onde está a Terra Santa? O muro da vergonha (o da Cisjordânia) é sinal de quê? Mas, adiante. Foram amigos meus, foi um confrade e, nos últimos dias, o tema batido e rebatido, contado e recontado, é o da Terra Santa. E perguntam-me se não gostaria de lá ir. Respondo que não. Não, a mim não me verão por lá proximamente. A eles não lhes importará muito; mais turista menos turista, a única coisa que perdem será alguns novos Shekels ou dólares, que devem preferir. Por vários motivos. Primeiro porque tenho um princípio claro na minha vida: o estado social de alguns países e até de algumas regiões, impede-me de lá ir. Não consigo compreender na Terra Santa (a partir de agora TS, para abreviar), armas apontadas para crianças, impedimento de circulação para os que são de lá mas aos turistas já não, mesmo que façam alguma pressão. Depois, porque não compreendo co

Fim de tarde agridoce

Agridoce ou doceagri. O meu final de tarde começou por ser de alegria: batizei o Francisco, um menino com menos de um ano, conhecido de uma família que conheci quando me cruzei com um doente paliativo do Hospital da Luz. A esse doente acompanhei-no no final da sua vida, um final que nunca esquecerei. Fiz-lhe o funeral, casei o filho do meio, batizei no ano passado um neto e hoje outro. Em abril vou casar o filho mais novo. É gente de fé. O pai, que morreu no ano passado confidenciava-me certo dia: não peço a Deus um milagre para mim; peço que, no dia da minha morte livre uma criança de cancro. Nunca se saberá se Deus o ouviu. Talvez sim. Mas, depois do batizado, fui ao IPO visitar uma criança de 10 anos, que sofre exactamente de um cancro malvado. Anda nesta luta há um ano e a coisa está difícil. A visita foi curta. Perguntei-lhe como se sentia, se tinha dores... Ás vezes sobram-nos palavras mas depois chegamos à conclusão que nos faltam palavras. Gostava de ter dito a este rapaz q