Frei Pedro Ouana - Homilia da Missa exequial

Minhas irmãs, meus irmãos, O Padre António Vieira, num dos seus sermões fúnebres, dizia que estas celebrações nos servem para três coisas: sentir a morte, louvar o defunto e consolar os vivos. E depois diz que todas as palavras poderiam ser trocadas por lágrimas pois, dizia ele: “as lágrimas são o mais vivo sentimento, porque são o destilar da dor; são o mais encarecido dos louvores, porque são o preço da estima”. Mesmo se não temos as lágrimas a correr pelo nosso rosto todos nós hoje choramos a morte do nosso querido frei Pedro. Lágrimas de luto e de dor, lágrimas que não podem ser evitadas quando olhamos para a sua vida, os seus esforços, o tanto que poderia ainda dar à Igreja através da nossa Ordem. Hoje chora Moçambique o seu filho, chora Angola o seu frei, choramos nós o nosso irmão. 
Mas as nossas lágrimas são também de carinho e afecto, envolvidas na esperança cristã, que fizeram o frei Pedro perceber e viver a sua vida até ao fim e que a nós nos faz compreender que a nossa vida foi criada para Deus, para a eternidade, onde ele já se encontra. 
Esperança de imortalidade é o que estamos hoje a celebrar ao despedirmo-nos do corpo do frei Pedro, ferido, habituado ao sofrimento, mas sabendo que ele agora, junto de Deus, vive na alegria sem fim, destinada àqueles que o amaram e serviram. Sim, minhas irmãs e meus irmãos, o corpo foi vencido pela doença, mas a sua vida foi vencedora; o corpo viveu uma Quaresma exigente, misturada de sofrimento e de confiança, mas a sua vida experimentou já a Páscoa definitiva, libertadora e eterna; bebeu na terra o cálice da Paixão e agora, assim o sabemos e nos explicou a primeira leitura, a sua vida está no repouso de Deus. 
A vida do frei Pedro não pode ser resumida no que cada um viveu com ele. Cada um de nós tem um pedacinho da vida do frei Pedro e mesmo que os juntássemos todos o frei Pedro era muito mais. Foi muito mais. Ele partilhou a sua vida connosco e com tanta outra gente que agora, como nós, sente a partida de um amigo, de um irmão, de um padre. 
Olhamos para a vida do frei Pedro e vemos como o cântico de Isaías que tantas vezes rezamos nas Laudes e hoje cantámos, depois da primeira leitura, se cumpriu na sua vida: “A meio da vida vou descer às portas da morte privado do resto dos meus anos; como tecelão eu tecia a minha vida, mas cortaram-me a trama”. Sim, partiu cedo demais, tinha tanto ainda para dar, mas Deus levou-o deste mundo porque o amava muito. Sim, esta foi uma certeza que acompanhou toda a vida do frei Pedro e que deve acompanhar a nossa vida: Deus ama-nos muito. E se assim é, porquê sofrer tanto aqui se, com Deus que nos ama já não iremos sofrer mais? O frei Pedro partiu cedo demais não só porque, se calhar, tudo se descobriu tarde demais, mas também porque talvez tenha chegado à perfeição em pouco tempo. Em 38 anos o frei Pedro, apesar de aos nossos olhos ter vivido muito pouco, completou em pouco tempo uma longa carreira. 
Esta nossa missa é, então, de acção de graças. Agradecemos a Deus o dom do frei Pedro, o dom da sua vida, o dom da sua vocação, o dom da sua entrega, o dom do seu sorriso. A sua vida ensina-nos que em pouco tempo podemos fazer muito e que na causa de Deus e do Evangelho de Jesus Cristo, à qual nos entregámos pela profissão e do qual nós somos pregadores, não há tempo a perder. Sim, irmãs e irmãos, perdemos muito tempo em coisas que não são de Deus, perdemos muito tempo a pensar em nós e no nosso conforto, perdemos muito tempo na tristeza e no medo. 
A vida do frei Pedro diz-nos exactamente o contrário: que gastar tempo nas coisas de Deus e no amor ao próximo é ganhar tudo, até o próprio Deus. Gostava só de, a partir do Evangelho, destacar três atitudes que o frei Pedro foi demonstrando ao longo da sua vida, mas também aqui no convento, onde passou esta sua última Quaresma existencial. 
Tudo está consumado. O frei Pedro trabalhou até ao fim. Foram várias as causas que abraçou desde que entrou na Ordem: equipas de casais, preparações de noivos, comunidade de Santo Alberto Magno, Mosaiko… O Mosaiko… a sua grande preocupação até ao fim. A sua vida ensina-nos que temos de entrar a sério na seara de Deus. Que não é preciso ser padre para se estar habilitado a trabalhar na causa do Reino; que amar a Deus é estar ao serviço das pessoas com quem partilhamos a vida e das outras, que não podemos abandonar. Embora a grande responsabilidade do frei Pedro no Mosaiko fosse a parte administrativa e financeira, a sua vida e a sua presença no Mosaiko diz-nos que as pessoas e os seus direitos estão acima de estruturas e de números. O mundo ainda não aprendeu isto e não sei se nós, cristãos, já aprendemos isto. Tudo está consumado frei Pedro, levaste tudo até ao fim, a tua cruz, leve nos anos, mas pesada com a doença que tiveste, com algumas incompreensões e injustiças que sofreste, e ainda assim ajudaste a levar a cruz de tantas pessoas, foste tão próximo de tantas vidas e fizeste-o até ao fim. Deus já te está a recompensar pelo bem que fizeste. As tuas contas com Deus são bem mais fáceis de fazer, mais fáceis que as que fizeste no Mosaiko; agora é Deus que te diz a ti: está tudo bem. 
Tenho sede. As últimas horas de vida do frei Pedro foram marcadas pela sede: tinha muita sede. Os médicos insistiam para que bebesse muita água e ele tentava cumprir a prescrição mesmo se não tivesse sede. Mas nas últimas 24 horas teve sede. Bebia água com gosto e ficava mais calmo. Esta sua sede de água, percebemos também agora, era também a sua sede de se encontrar com Deus. Como não lembrar aqui o salmo 62, que tantas vezes rezamos e cantamos: “Senhor, sois o meu Deus: desde a aurora Vos procuro. A minha alma tem sede de Vós. Por Vós suspiro, como terra árida, sequiosa, sem água”. Nas últimas horas de vida do frei Pedro – sem nós sabermos que seriam realmente as suas últimas horas – foi bebendo a água que lhe ia matando a sede e comungando o Corpo de Cristo que foi o verdadeiro alimento para ir ao encontro de Deus. Frei Pedro, ao longo dos teus 38 anos bebeste água, deste água a beber e deram-te água para beber. Bebeste e deste a beber da água que precisamos para o nosso corpo, mas também deste a beber uma outra água, água da sabedoria, a água de Cristo, através dos sacramentos, das pregações, da tua própria vida, simples e humilde, como é a água. Agora já não tens sede porque já bebes a água viva que brota aí, no paraíso. 
Eis o teu filho. Jesus, na cruz, entregou a Maria o seu discípulo João. A partir daquele momento, só a mãe continua a ser Mãe; o discípulo passa a ser filho. Também nós, ao longo destes dois meses, rezámos muito a Deus pelo nosso frei Pedro: Olha o teu filho. Muitas vezes até por intercessão de Maria. Rezámos na esperança de um milagre, rezámos para que não sofresse, rezámos para que o frei Pedro continuasse a dizer sim a Deus, como Cristo, e que o disse até ao fim. Não foram orações em vão. São também apostolado. 
O último apostolado do frei Pedro foi vivido aqui, em Lisboa. Aqui mostrou a dignidade e o valor da vida humana, aqui mostrou a confiança e o abandono em Deus, aqui mostrou o valor do silêncio e da fraternidade. Aqui mostrou o seu sorriso, um belo apostolado, porque a fé vivida sem alegria é um fraco testemunho do que significa ser cristão. Frei Pedro, o teu apostolado não terminou. Continua agora aí, no céu, a interceder por nós. E pedimos-te: quando nos vires aflitos, pede a Deus por nós, que aqui andámos a pedir por ti. Assim como São Domingos, ao nos deixar, disse que iria ser mais útil no céu do que tinha sido aqui na terra, tu, agora, como filho de São Domingos, faz o mesmo: sê-nos útil. Nós, aqui, vamos ter de te substituir em algumas coisas, vamos tentar manter-te vivo na nossa memória, mas também naquilo em que foste modelo de vida. 
E que Maria, a consoladora dos aflitos, que já te colocou sob o seu manto, nos console e enxugue as lágrimas que choramos porque, afinal, “em todas as lágrimas há uma esperança” (Simone de Beauvoir).

 

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