Criados para dar fruto

 

O livro dos Actos dos Apóstolos é, na verdade, o livro do Espírito Santo. Em muitas passagens se lê que o Espírito Santo move e inspira, chama e escolhe, fortalece e congrega. Ainda há pouco, na primeira leitura, se ouvia que a Igreja gozava de paz e ia crescendo com a assistência do Espírito Santo. Já dissemos na semana passada que deveríamos dar mais espaço a Jesus e menos a nós. Imaginemos então se deixássemos que o Espírito Santo trabalhasse em nós! Não nós e o Espírito Santo, mas o Espírito Santo e nós. 
Na primeira leitura de hoje vimos como Saulo mudou de vida e de atitude depois de ter sido tocado por Jesus. De perseguidor tornou-se discípulo e de discípulo em perseguido. Mas esta leitura também é um convite a vivermos em comunidade e de sermos uma comunidade acolhedora. Vivermos em comunidade significa vivermos unidos e empenhados no verdadeiro amor a Deus e ao próximo. 
Uma comunidade acolhedora. Barnabé tem na comunidade um papel importante: aproximar Saulo da comunidade e pedir à comunidade que deixe o preconceito, o que ouviu dizer e que lhe dê uma oportunidade. Uma comunidade verdadeiramente cristã acolhe, dá a oportunidade, aceita quem se aproxima. São estas atitudes que tornam a nossa Igreja “católica”, universal, aberta a todos. Pensar numa Igreja exclusiva, que afasta e condena, que exclui e não é sensível a um coração que procura Cristo, é viver numa igreja tão contrária ao espírito de Jesus que a todos acolheu, ao Espírito Santo, que sopra onde quer, à tradição das primeiras comunidades cristãs, sempre tão acolhedoras e generosas. 
Não basta sonhar com uma Igreja aberta a todos. Depende de todos e de cada um de nós, convertidos pelo Espírito Santo, a acolher o outro como ele é e não como nós gostaríamos que fosse. É grande erro pensar que antes de nos aproximarmos de Jesus temos de estar convertidos. 
A lógica do Evangelho é “deixa-te tocar por Jesus que ele mudará a tua vida” e não “primeiro converte-te para depois te encontrares com Jesus”. Saulo converteu-se depois de se ter encontrado com Jesus. E assim deve ser. 
Na segunda leitura, São João faz-nos um outro desafio: não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade. Sabemos que o cristianismo é a religião do Amor. Todas deveriam ser, porque o amor é a essência de Deus. Mas Cristo veio ensinar-nos a amar não só humanamente, mas amar como Deus nos ama. E grande transformação haveria na nossa vida se amássemos o próximo como Deus o ama e como Deus nos ama. 
Jesus resumiu toda a Lei e os profetas no amor a Deus e ao próximo, na última Ceia pediu-nos que nos amássemos como ele nos ama, e hoje São João vem dizer-nos: não faças do amor uma teoria, não faças do amor uma intenção, pratica o grande mandamento do amor. Nós dizemos, e bem, que de boas intenções está o inferno cheio. E acredito neste ditado. Porque a minha vida não se realiza de intenções e boas vontades, que só nos levam à frustração e ao adiamento. O amor a Deus e ao próximo não pode estar ao mesmo nível daquilo que eu poderia fazer, mas dá-me preguiça ou não tenho vontade. O amor a Deus e ao próximo não se pode ir adiando. O amor a Deus e ao próximo não pode ser uma filosofia utópica e, assim, vazia. Deus não nos quer vazios. 
Deus quer que nos atrevamos a viver por amor porque ele é amor. Um amor ao próximo desinteressado, “em verdade”, dizia São João. Não praticamos a caridade para preencher um parágrafo do nosso currículo, não praticamos a caridade para ganharmos créditos… praticamos a caridade porque amamos a Deus. Amar o próximo é o maior acto de fé que podemos mostrar a Deus. Daí São João dizer: acreditar no nome de seu Filho, Jesus Cristo, e amar-nos uns aos outros, como Ele nos mandou. A fé leva-nos à prática do amor e a prática do amor fortalece a nossa fé. 
Finalmente, no Evangelho, mais uma imagem do mundo agrícola, mais uma exigência de Jesus a cada um de nós: permanecermos unidos a Jesus. Toda esta parábola da verdadeira vide diz que o cristão tem de estar unido a Cristo e dar fruto. Não fomos criados para “sermos lançados ao fogo e arder”. Fomos criados para dar fruto, sempre unidos a Cristo, com a humildade de aceitar as contrariedades da vida (a poda) para crescermos ainda mais e darmos mais fruto. 
Não havendo muito mais tempo para explorar toda a riqueza desta parábola, não posso de deixar aos pais uma interpretação a nível da educação. Dizem que educar é uma arte. Jesus no evangelho também diz que faz parte do crescimento “limpar o ramo que dá fruto, para que dê ainda mais fruto”. Educar não é deixar crescer sem mais. Há um trabalho paciente, delicado, mas frutuoso de cortar, endireitar, estimular para que os nossos filhos cresçam e possam vir a ser boas pessoas, a nível humano e cristão. 
A maior alegria de Deus é que demos muito fruto. Não é o mínimo: demos fruto, mas sim o máximo: demos muito fruto. Dá pena ver pessoas que andam sempre nos mínimos, dá pena pessoas acharem que com o pouco que fazem já são as maiores, dá pena ver pessoas que podendo dar tanto acabam por não dar nada. Queremos agradar a Deus? Demos muito fruto. 
A meio do tempo Pascal demos graças a Deus por vivemos em Igreja e na Igreja. E peçamos o dom da prática do amor. Um amor que quando é entrega e serviço é dar muito fruto, como Deus quer. Que assim seja.

Mensagens populares deste blogue

Oração para o início de um retiro

Regina Sacratissimi Rosarii, ora pro nobis

Degenerar com dignidade