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A mostrar mensagens de julho, 2011

O essencial é invisível aos olhos

Leio com as mãos. Desde sempre e provavelmente para sempre. Nasci cego e, por isso, vejo com as mãos, com o nariz, com os ouvidos... Vejo para dentro. Por isso, para mim vermelho é calor, verde é frescura, azul é luz, mesmo sem saber o que isso é, branco é nada e preto é tristeza. Para mim as cores são sensações, as paisagens longos corredores, abertos ou fechados, conforme o que se estiver a falar. Mas gosto de ler e de escrever. O primeiro livro que me marcou não o li, ouvi-o. A minha mãe, como qualquer mãe, lia-me histórias de encantar e eu, que vejo para dentro, imaginava a história à minha maneira. E lembro-me do principezinho. Devorei o livro com os ouvidos, quando ainda não sabia ver, e depois com os dedos, numa edição própria para quem, como eu, não lê com os olhos. E acompanha-me a frase talvez mais marcante do livro: o essencial é invisível aos olhos. Esta frase era-me repetida vezes sem conta pelos meus pais, quando chorava, revoltado, por não ser como as outras pessoas. Era

Missas em latim e rituais antigos - 2

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O prometido é devido. E cá venho hoje escrever sobre a liturgia na tradição dominicana. A liturgia é um dos principais elementos da nossa vida. Normalmente classificamos em quatro estes elementos que nos definem: a vida comum, a celebração solene da liturgia, o estudo da verdade, as observâncias regulares e a pregação. Nas nossas constituições vem logo no primeiro número sobre a liturgia que São Domingos quis que a celebração solene e comunitária da liturgia fosse uma das principais funções da nossa vocação (nº 57). E é neste ambiente que os dominicanos celebram a liturgia: em comum e de uma forma solene. Quando se diz comum não se diz todos - não somos monges - e quando se diz solene também não quer dizer que seja sempre com incenso ou sempre missa cantada. O que torna a nossa liturgia solene é que ela seja glorificação a Deus e intercessão pelas necessidades da Igreja e do mundo. E isto fazêmo-lo em união com a Igreja. Daí que não tenha sentido manter um rito próprio, por vários moti

Missas em latim e rituais antigos - 1

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Recebi recentemente um mail em que me pediam algumas informações sobre o antigo "rito dominicano". Já lá chegarei, se calhar não ainda neste post, mas antes gostaria de escrever sobre este movimento muito circunscrito, de pessoas que acham que o antigo é que é bom e que é o de sempre. Como podemos imaginar, a última ceia não foi celebrada em latim. Pode parecer um disparate o que escrevi mas, como é de imaginar, as primeiras comunidades cristãs celebravam a Eucaristia nas suas próprias línguas. É normal que em Roma se celebrasse em latim, era a língua do império, mas, se calhar, em Corinto seria em grego. É bom falar das origens porque algumas pessoas destas mais tradicionalistas, que acham que a Missa de antigamente (em latim, de costas para o povo, paramentos e cálices em ouro...) foi a missa de sempre. Nada mais errado. E foi este o critério para que o Concílio Vaticano II viesse a dizer que se poderia celebrar em vernáculo (língua própria de cada região): como um dos obje

Texto atrasado

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Este é um texto que deveria ter sido publicado no domingo ou segunda-feira. Não é que o texto já estivesse escrito; mas as ideias já estavam na cabeça, mesmo que o tema não seja muito interessante. Tempo de férias para os padres também. Todos gostamos de um mês de férias, mesmo estando desempregado ou não fazendo nada na vida. Parece um impulso que dispara depois da Páscoa, quando começamos a pensar se há férias ou não, se vão ser aqui ou ali, no norte ou no sul, dentro ou fora, sozinhos ou acompanhados, com muito ou pouco dinheiro. E este impulso afecta a quase todos mesmo para os que não têm terra para onde ir, dinheiro para gastar, companhia para acompanhar. Um mês é o ideal. Mas, hoje em dia, poucos são os padres que se podem dar ao luxo de tirar um mês de férias. A igreja não pode ficar fechada, o cartório tem que funcionar mesmo que não seja a pleno, e temos de pensar naquelas pessoas para quem fazer férias é levar a vida como sempre a levaram. Conclusão: como a igreja não é uma

São Boaventura e as Ordens Mendicantes

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A Igreja celebra hoje a festa de São Boaventura. São Boaventura está para os franciscanos como São Tomás de Aquino está para os dominicanos. Dois grandes homens, da época medieval, com percursos muito semelhantes mas com abordagens e pontos de partida diferentes. Os dois pertencem às chamadas "Ordens Mendicantes". Na realidade, foi São Francisco e, poucos anos depois, São Domingos, quem inauguram este novo modo de estar e de viver na Igreja. Não se tratava de oposição ao único estilo de vida religiosa que até então existia que era o monacal em que São Bento e a sua Regra são o máximo expoente deste modo de vida religiosa. Mas, no princípio, a coisa não foi fácil. Não tanto por causa dos monges mas mais por causa dos bispos e dos padres seculares (diocesanos). Porque a degradação era muita, porque a vida dos bispos e dos padres era um contracenso da vivência do Evangelho (acumulação de bens, riqueza...), porque não gastavam muito tempo no estudo da filosofia e na teologia. São

Politiquices

Venho de uns dias de praia, longe dos problemas (o pior é quando eles nos acompanham!) e até da vida política e económica do país. Da morte da Maria José Nogueira Pinto soube logo no dia em que morreu. Algumas vezes ia à "Missa das seis" do Campo Grande. Mas nunca lhe falei e, por isso, não senti muito a sua morte, as mortes são sempre coisas difíceis, mas pelo que se pôde aperceber, ela soube conduzir a barca da sua vida e isso é o mais importante quando sentimos que a barca chega ao mar. Outra notícia é que isto da Europa está mal. E pior do que possamos pensar. Vamos passar por maus bocados, não temos ainda muita noção disso, nem nós nem ninguém. Podemos saber que vamos sofrer mais ainda não sabemos o quanto. Nem com São Bento, padroeiro da Europa, a coisa pode entrar nos eixos. E a Alemanha não se ria muito que a desgraça vai tocar a todos. A este propósito, muito me identifiquei com a entrevista do Alberto João que, em tom sério, disse que isto da Europa ou é levado a sé