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A mostrar mensagens de janeiro, 2010

Arcas encoiradas

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Carriças, toutinegras, calhandras, verdelhões, milheiras, tanjasnos, tordas, marantéus, petos-reais, poupas, gralhas, patuscos, estorninhos, rolas, cucos, rouxinóis, pardais, melros, andorinhas (pitas de Nossa Senhora, conhecidas assim no Norte do país), são tudo nomes de aves. Cheguei lá quando comecei a ler estes últimos, que são mais conhecidos. E palavras como crestar, redolente, silha, rifão, anexim, arrobes, cibo e bruxuleante? Não, não ando a ler o dicionário de língua portuguesa de fio a pavio. Ando a ler as " Arcas encoiradas " de Aquilino Ribeiro. E é um encanto. As variadas espécies de aves apareceram no capítulo sobre o Outono no Norte; estas últimas no capítulo sobre o mel. Mas para ler Aquilino é preciso um dicionário. E já não chega um simples dicionário de língua portuguesa. Algumas palavras já não tiveram a dita de constar... Pode-se ler Aquilino sem o dito dicionário, que é o meu caso, mas ficamos sem perceber a tensão e a intenção daquelas palavras e não d

Bom Pastor ou Coração Sacerdotal?

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Esta imagem é a de Cristo, Bom-Pastor. É uma pequena imagem que anda em peregrinação pelas várias paróquias da Diocese de Lisboa. Embora esteja intitulada como sendo do Bom-Pastor, ela é mais a imagem de um Coração de Jesus que, por ser este ano o ano sacerdotal podemos chamar-lhe de Coração Sacerdotal de Jesus. Acabei agora mesmo de escrever o retiro que vou pregar amanhã às Irmãs Dominicanas do Ramalhão. Há duas semanas, creio eu, receberam no seu convento esta imagem que andava por lá peregrina. Amanhã vou falar-lhes, como já tinha aqui escrito, nas dimensões do padre, dimensões que são desafios. E, desta vez, sinto que sou o primeiro beneficiário do retiro que vou pregar. Ao ler-lhes amanhã as reflexões que preparei espero que elas me ajudem a melhorar - e o que ainda há a melhorar! - na minha vida humana, cristã, comunitária e sacerdotal. A reflexão da manhã vai ser sobre estas oito dimensões do padre e a da tarde um exemplo concreto - a vida do Beato Carlos de Foucauld - que me i

Dias calmos

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Bendito sejas, Deus dos dias calmos. Bendito sejas pelo calor, apesar do frio, bendito sejas pelos livros que leio, bendito sejas pela minha vida que corre como um rio. Bendito sejas pelas vidas santas, e pelas outras que se cruzam comigo; bendito sejas pelo sol e pela música, bendito sejas pela tua presença de amigo. Bendito sejas pelas orações que reúnem, bendito sejas pelo silêncio da vida, que caminha calma e contida, em horizontes que os olhos não confundem. Bendito sejas por tudo o que nos dás, e também, porque não, pelo que não damos valor. Por tudo, mas por estes dias calmos, te dou graças, Senhor. (A man reading, Ignat Bednarik [1882-1963])

O catolicismo

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Não venho aqui falar do credo a que pertenço. Vim deixar o que Miguel Torga escreveu em Coimbra, no dia 8 de Maio de 1974: " Sim, apesar da sedução que no meu espírito exercem outros credos, se tivesse de me converter, seria ao catolicismo. É, afinal, a única religião compatível com a minha natureza torrencial, terrosa, pecadora. Uma religião que sagra de tal modo o profano que nele se fazem agentes demiúrgicos a água, o azeite, o pão e o vinho. A água e o sal do baptismo, o azeite da unção, e o pão e o vinho da Eucaristia. A imanência e a transcendência tão medularmente conjugadas, que a realidade tangível se paradigmatiza no prodigioso mistério da encarnação e no escândalo bárbaro e sublime de um Deus consubstanciado a quem antropofagicamente o devoto devora a carne e bebe o sangue." Às vezes quem vê de fora vê melhor e vê diferente dos que estão dentro e a quem tudo parece uma repetição aborrecida de gestos, rituais e fórmulas.

Contemplativas no mundo

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Estive hoje em Fátima, na casa das Irmãzinhas de Jesus de Carlos de Foucauld. A última vez que lá tinha estado, lembrou-me uma irmãzinha, foi há quatro anos. E são um encanto. Vivem num grande sossego - são contemplativas - mas inseridas no mundo; definem-se mesmo como "contemplativas no mundo". Mas não são monjas. Elas levam Deus ao mundo e o mundo a Deus. Vivem pobremente - muito pobremente - rezam e trabalham. A sua fundadora, nómada de Deus, deixou-lhes a espiritualidade: " O Evangelho vivido, a pobreza total e, sobretudo, o amor ". Têm como modelo o presépio de Belém - e fazem os mais simples e os mais belos presépios - porque ali imitam Jesus na humildade e sentem o que é exclusão, porque elas, por opção, vivem com os excluídos para aí, como o fermento na massa, viverem com os excluídos, os caminhos do Evangelho que liberta. Vivem, mostram e tentam imitar o Amor de Deus. Por todos os lados da casa se vê o coração com uma cruz. Assim escrevia Carlos de Foucauld

Mãe é mãe

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Foi ontem a enterrar a mãe de um frade dominicano. Se normalmente nunca há motivo para a morte, dói quando nos morre a mãe. Não sei o que é, mas sei que se sofre. Porque foi ela que nos acolheu no seu seio, foi ela que nos amou mais do que ninguém, foi ela que cuidou estremosamente de nós, é ela que nos liga às nossas origens. A nossa mãe está ainda antes de nós. Quando se perde o pai a mãe torna-se a nossa preocupação. A minha mãe é a minha preocupação. Mesmo se exteriormente não manifesto. As mães não deviam morrer. Pode parecer egoísmo mas é verdade. Seriamos tão mais felizes em saber que aquele regaço está sempre pronto para nos acolher, e que mesmo que estejamos num sofrimento único sabemos que ela lá está... a sofrer tanto ou mais do que nós. Carlos Drumond de Andrade escreveu num poema que " Mãe não morre nunca / Mãe ficará sempre / junto de seu filho / e ele, velho embora, / será pequenino / feito grão de milho ". Todos devemos muito ao nosso pai. Mas, por mim falo, d

Antologia poética

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Ontem à noite, enquanto lia o Diário de Sebastião da Gama (que já estou a acabar...), veio-me à ideia construir uma antologia poética. A minha antologia poética. De facto, há alguns poemas que nos tocam, que nos dizem alguma coisa, com os quais nos identificamos, mesmo que o estilo do poeta não nos agrade muito. Vou fazê-lo à moda antiga: escrevê-los num caderno para eles dedicado. E vamos ver no que dá. A abrir vou escrever o poema que mais gosto (gostos não se discutem e é interessante ver os gostos dos outros), de Florbela Espanca, Neurastenia . Se me perguntarem porquê talvez a única resposta seja pela pena que sinto para com esta mulher. Uma mulher infeliz nos afectos, infelicidade essa espelhada nos poemas, nos contos mas sobretudo no seu Diário. Como é sabido, ela suicidou-se no dia do seu aniversário (8 de Dezembro) do ano de 1930. Suicídio premeditado, revelado no seu Diário , no dia 20 de Novembro, por exemplo quando escreve: " A morte definitiva ou a morte transfigurad

Ajuda no Haiti

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Vamos assistindo, um pouco por todos os lados, não só à tragédia do Haiti, mas também à grande onda de solidariedade, sobretudo de organizações humanitárias. Nestas alturas as ajudas monetárias são essenciais para um país que vive o caos do depois-terramoto. Mas há também a ajuda presencial de voluntários que querem ajudar aquela gente recomeçar quase do nada. Graças à 'aldeia global' vamos tomando conhecimento do que por se lá vive. É preciso solidariedade. Monetária, como dizia, mas também espiritual. Não nos pode ser indiferente, não podemos ser espectadores do que acontece com os outros humanos, nossos irmãos, habitantes do mesmo mundo e que agora passam um mau bocado. Comprei, hoje, um livro de poesias de A. M. Pires Cabral. Como acontece frequentemente comigo, estas aquisições nascem do abrir o livro ao acaso e ficar preso a um parágrafo ou a um poema. Neste livro houve um poema que me prendeu e que o escrevo aqui, como solidariedade espiritual com todos os que estão, nes

Vítimas do Haiti

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Não, não vale a pena perguntar porquê do sismo. Não, não vale a pena pôr em causa a existência de Deus. Não, não vale a pena ver aqui um castigo ou um sinal. Sim, vale a pena sentir a presença de Deus no Haiti que sofre com quem sofre. Sim, vale a pena rezar pelos que morreram e pelos que sobreviveram. Sim, vale a pena partilhar não poque temos pena deles mas porque sofremos com eles. (Esta fotografia é actual. É do Haiti, depois do sismo. Quem ma enviou disse-me que foi o que restou da catedral)

O calvário do mundo

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Sexta-feira, dia de trabalho no hospital. Que hoje me pareceu uma verdadeira Via-Sacra: as estações são os quartos onde estão os Cristos deitados na sua cruz que é a cama com cireneus - os médicos e todos os que cuidam deles - e até a pouca companhia como Jesus na cruz. Um verdadeiro calvário. Não me entendam como se dissesse que o hospital é um lugar terrível ou até evitável. Não, a cama de um hospital é um calvário, no que traz de sofrimento, de aceitação ou revolta, de esperança e de confiança em Deus, se nele crêem. Três estações marcaram este dia (estação quer dizer paragem). Um doente que recebe uma notícia não muito feliz, que também não era nada que não estivesse já no horizonte. Este doente, depois da visita do médico e já comigo diz-me: clinicamente não há tratamento eficaz, estou com Deus, quero preparar-me espiritualmente para ter forças. E comungou. Aqui temos um Cristo que hoje transmitiu assim a sua entrega, que não é muito diferente da de Cristo na Cruz: "Pai, nas

O arco-íris

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Foi Deus quem criou o arco-íris. Pelo menos é assim que conta o livro bíblico das origens (Génesis). Talvez para justificar este fenómeno natural que, para mim, é uma prenda que a Natureza tão raramente nos oferece, o autor fala dele, pela primeira vez, depois do dilúvio, dando voz a Deus que o cria e que o explica: « Vou estabelecer a minha aliança convosco, com a vossa descendência futura e com os demais seres vivos que vos rodeiam: as aves, os animais domésticos, todos os animais selvagens que estão convosco, todos aqueles que saíram da arca. Estabeleço convosco esta aliança: não mais criatura alguma será exterminada pelas águas do dilúvio e não haverá jamais outro dilúvio para destruir a Terra.» E Deus acrescentou: «Este é o sinal da aliança que faço convosco, com todos os seres vivos que vos rodeiam e com as demais gerações futuras: coloquei o meu arco nas nuvens, para que seja o sinal da aliança entre mim e a Terra. Q uando cobrir a Terra de nuvens e aparecer o arco nas nuvens, r

Construir um retiro

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Começo a construir um retiro. Parece um coisa simples. Para alguns padres até será. Para mim não. Um retiro é mais do que uma homilia, é mais do que espiritualismo. Por isso é preciso prepará-lo. Este que agora vou "construir" nasceu do que vi numa pequena capela em Paris. Estavam expostos na capela uns posters sobre o sacerdócio (estamos no ano sacerdotal). O tema da exposição era " O padre, servidor da vossa alegria ". E depois várias vertentes do ser padre: Apóstolo de Jesus Cristo, ao serviço da Palavra, homem de misericórdia... Cada poster tinha uma bonita imagem, um breve trecho de uns discursos do Papa e uma citação de S. João Maria Vianney. É sobre estas dimensões que vou pregar no próximo retiro. Com este impulso agora é ler, intuir e rezar: eu por elas e espero que elas por mim. Assim o espero. ( este desenho foi o adaptado de uma capa de um livro para a pagela da minha ordenação )

O primeiro livro lido em 2010

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Dia 11. Já um livro lido. Fora de todos os meus registos, fora da estante dos livros para ler, este foi visto numa livraria, comprado e lido quase no mesmo dia. É denso não pelas muitas páginas mas pela mística que lhe está entranhada. Ou não tivesse sido escrito por um místico: Angelus Silesius, alemão, do século XVII, poeta, e até filósofo se lhe pode chamar. É um livro pequeno, traduzido há já algum tempo (1991), que contém aforismos; e à medida que vamos avançando na leitura destas sentenças, temos a noção de que quase somos Deus; ou então que Ele está dentro de nós. Por exemplo este pensamento: " Pára, para onde corres? O céu está em ti. / Procurar Deus noutro lugar, é nunca O alcançar ". É este desconcerto - porque é uma quase desconstrução daquilo que aprendemos e que às vezes ouvimos: o buscar Deus, alcançar o céu, etc., etc. - que nos faz ler, quase de uma rajada só, esta pequena obra tão densa e tão límpida. Também para os que andam à procura de Deus, Silesius é fro

O dilúvio

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Em dia de festa pelo baptismo de Jesus, o dia parece mais de dilúvio. Até a "minha igreja" inundou. Ele é frio, chuva e vento. Dizem "mau tempo". Resisto à expressão. É o tempo do mau tempo. De manhã rezávamos: " chuvas e ventos, bendizei o Senhor, frios e aragens, bendizei o Senhor, gelos e neves, bendizei o Senhor ". É tudo criação. Dizia a minha avó: a chuva e a morte não se pedem a Deus; é Ele quem a manda . Graças a Deus que a Natureza ainda se mostra, apesar dos nossos maus-tratos. Bendito seja Deus que ainda nos manda a chuva no seu devido tempo.

Um mundo melhor

Ao abrir, ontem, o blogue Pastoral Juvenil , das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena, fui agradavelmente surpreendido pela música de Michael Jackson, Heal the world , que fez parte da minha adolescência. Não sou nem nunca fui grande apreciador da figura; no entanto, esta música levou-me aos 15 anos. Este ano, o Papa, na mensagem para o dia Mundial da Paz, ligou a Paz à Criação. O refrão deste música pede para "curarmos" o mundo em que vivemos, para o tornarmos melhor para nós e para os outros. Cá fica o registo da música, tirado do YouTube para os que dela gostarem.

Dias calmos

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Finalmente chegaram os meus dias calmos. Há muito tempo que não tinha assim uns dias em que posso "descongelar" projectos e começar a dar-lhes resposta. Não é " o dolce far niente " . É poder estar mais em casa, poder ler, poder escrever, poder trabalhar com calma, tudo isto ao som de boa música. E até poder rezar mais. Bendito seja Deus que fez o trabalho mas também dá o descanso.

A estrela

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Já se avistam os três Magos que, naquela noite, viram uma estrela a brilhar mais forte. São três mas a comitiva é mais do triplo. Uns vão à frente para preparar as pausas para alimentação e descanso, outros vão atrás com os animais mais cansados e que andam mais devagar. No meio lá vão eles, olhando para o céu, a ver se encontram a estrela que perderam. Não estão perdidos; não conseguem é ver a estrela. Dirigem-se para Jerusalém, talvez tenha sido lá que nasceu o ilustre menino. Sem saber, estão a cumprir as profecias de Isaías: "Levanta-te Jerusalém, olha ao teu redor, todos se reúnem e vêm ao teu encontro". Mal entram na cidade são logo reparados: deve ser gente rica, pensam os habitantes da cidade; e importante. Que grande comitiva! Devem ir visitar Herodes. Na verdade perguntavam pelo palácio do rei, não para o verem mas para verem o tal menino que os levou até ali. Herodes fica surpreso; uns Magos? Da Arábia? Adorar o Rei dos Judeus que nasceu? Não é possível! Além da es

As Janeiras

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Não parou o tempo. É já dia quatro. Lá continua a velha máquina do tempo, que nunca se avaria, a rodar, a rodar, e a fazer-nos rodar também. Lá continuam as agendas novas, com os encontros e as marcações da vida e do ano. Com dias mais preenchidos, outros vazios, também as folhas irão passando, não tão inflexíveis como os relógios, mas daremos conta do passar dos dias. Lá continuam os trabalhos marcados e por marcar, as preocupações que se irão semear, as angústias que nos hão-de rondar. Lá iremos fazer anos; poucos terão feito em quatro dias. Lembraremos o primeiro berço, o seio da nossa mãe. E cada ano vamos tomando consciência do tempo em nós... como ele nos marca, da erosão e dos riscos com que nos há-de marcar na pele e na carne. Andar devagar apesar de não sermos nós a mandar. Entrar na roda, dançar, mesmo que seja o senhor Tempo a impor a música e o compasso. Não apressar. Não adianta adiantar. Diz Jesus: a cada dia basta o seu problema. Cá está ele. Acomodado. Já não está eufór

Santo protector

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Desde pequeno que, cada Dia de Bom Ano, expressão que a minha avó usava para o dia de ano novo, recebíamos na igreja o santo protector. Um costume antigo que também faz parte das tradições dominicanas. Também agora, cada Dia de Bom Ano, oferecemos às pessoas que vêm cá à Missa, uma pagela com o santo protector da Ordem Dominicana. A mim calhou-me São Martinho de Porres. Para que é que serve um santo protector? Antes de mais para seguirmos as suas virtudes e exemplos; depois pedirmos a sua intercessão; finalmente tê-lo como amigo, companheiro de viagem, para o ano que começa.

O Cântico do Glória

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O CÂNTICO DO «GLÓRIA» (4ª parte) Devemos orar juntos. E porque não cantar juntos, também? Não é o canto, aliás, inseparável do Natal? Foi ouvindo os anjos cantar, que os pastores souberam que qualquer coisa de extraordinário acontecera. Esse cântico, a Cristandade o captou e retomou através das novas gerações: Glória a Deus e paz aos homens de boa vontade. Ao ouvir estas palavras, como não passar n'Aquele que no-las transmitiu. Como sabemos nós, com efeito, que tais palavras saudaram o nascimento do salvador? Não foram os pastores que as disseram aos Evangelistas, pois não se conheceram. Não foi São José, visto que já tinha falecido, quando o Mestre escolhia os seus apóstolos. Essas palavras ficaram em segredo, como as outras maravilhas que nos conta São Lucas, na alma de Maria, «que guardava e meditava estas coisas no seu coração». O Glória é o cântico dos anjos e o cântico secreto de Maria, antes de ser nosso. É com eles e com ela que devemos retomar-lhe o júbilo e o esplendor. J