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A mostrar mensagens de julho, 2010

Em boa hora

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Em boa hora saí hoje de casa, ao final da manhã, entrei numa livraria e encontrei os primeiros oito volumes do Diário de Miguel Torga. Em boa hora a editora D. Quixote ressuscitou estes Diários. Há meses atrás, andando eu à procura deles e tendo ligado para a editora, disseram-me que era pouco provável a reedição uma vez que tinham outros interesses editoriais. Serão quatro volumes, hoje apareceram os dois primeiros que contêm os antigos oito cadernos. E em boa hora os irei ler. Em Feirão, relativamente perto de São Martinho de Anta, onde Torga se refugiava. Tenho que aqui agradecer a quantos me acompanharam nesta saga da procura dos primeiros volumes e, em especial, a uma amiga que me ofereceu os que conseguiu arranjar. Mas a minha alegria é saber que, finalmente, tenho a vida do Torga nas minhas mãos. Cá fica um dos seus poemas, " Clarão ", tirado do segundo volume, o último que li: O que isto é, viver! Abrir o olhos, ver, E ser o nevoeiro que se vê! Nevoeiro ao nascer, Nev

Fui ao Porto

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Chego de um dia cansativo. Fui, manhã cedo ao Porto, para ter uma reunião com os arquitectos que fizeram o Convento onde vivo, e regressei logo a seguir. Já não sei há quantos anos não ia ao Porto de Comboio. Para dizer a verdade, acho que só fui uma vez, pelo ano de 1997, há 13 anos atrás. Mas valeu a pena ir ao Porto. Pensei levar o computador para trabalhar alguma coisa pela viagem, mas optei por levar um livro e um bloco para ler e talvez escrever. Tirei umas notas sobre as estações onde o pendular parou. Uma das coisas que concluí é que o excesso de velocidade rouba-nos o prazer da contemplação. Isto de que a viagem de comboio é mais bonita porque se vê a paisagem... é ilusão num alfa pendular. Por isso, pouco tenho a dizer dos percursos mas alguma coisa fica das estações. 1. Santarém. Tem uma bela estação, tipo casa de bonecas. Cá fora os azulejos que mostram as curiosidades e os encantos da cidade. 2. Entroncamento. O Entroncamento de bonito não tem nada; refiro-me à estação. Mi

Quatro apontamentos

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1. Ler e escrever. As letras são a minha gruta, as palavras a minha cama, os livros o meu céu. É onde me sinto bem. No entanto, apercebo-me que o mundo das letras, lidas ou escritas, são um misto de mostra e esconde. Se leio descubro, se escrevo descubro-me. Mas ainda assim gosto de ler e gosto de escrever, preferindo mais, isso sim, descobrir do que ser descoberto. Dou-me conta porque ando a ler coisas pequenas (Diários de Saramago e de Torga) e ontem, por causa de uma inesperada insónia, dei comigo diante da estante dos livros por ler, para ver se algum me embalava. Acabei por escolher um que lá estava, esquecido, nem sabia que o tinha nem quando o comprei. Manual de Epitecto . Um pequeno livro de 136 páginas (praticamente só escritas de um lado, que reduz logo quase para metade), em que se reuniram " Máximas, diatribes e aforismos ". Pensei que ao fim dos primeiros pensamentos que adormecia, mas qual quê... foi o livro lido, todo de enfiada. Máximas interessantes, para mi

Triste saudade

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Dia triste o de hoje para a minha família. Aniversário da morte do meu pai. Há seis anos. De repente, eu a terminar a Missa desse dia, num segundo, vem a morte repentina. Escrevi, na altura, um texto, porque há coisas que não se conseguem falar com quer que seja, que foi o meu desabafo diante do corpo inanimado de quem me gerou. Hoje, passados seis anos, dou-o a conhecer. Nunca ninguém o leu, e hesitei em colocá-lo hoje aqui. Mas o tempo é medicamento; e se não nos faz esquecer, abranda a dor que sofremos. Aqui fica, em homenagem ao meu pai, os meus sentimentos talvez demasiado dramáticos, de há seis anos atrás, numa noite escura, enquanto se chorava a dor de uma partida inesperada: Morreu o meu pai. Se bem que sabemos que temos a nossa hora a do meu pai foi, talvez, adiantada. Estes dias quentes, em que recordações se misturam com a triste certeza da separação, faz-me sentir como um sino que tange e que anuncia o fim da vida terrena. Como é efémera a nossa vida. Meus Deus, tão bondoso

Santa e pecadora

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A Igreja celebra hoje a festa de Santa Maria Madalena. Mal afamada, sem grandes fundamentos e muitas confusões, ela é chamada de pecadora, prostituta, amante de Jesus e por aí fora. O já esquecido Código Da Vinci explorou esta última faceta da Madalena como amante de Jesus. Que se associe a Madalena a uma mulher pecadora não vejo mal. Afinal, pecadores somos todos e os santos não foram excepção nesta mácula que nos afasta do caminho do bem e da santidade. Portanto, ser santo não é sinónimo de não ser pecador. O sinónimo de santidade é a palavra seguimento. O santo é aquele que segue a Cristo, que o prefere sobre todas as coisas, que o ama, que tem a capacidade de moldar a sua vida segundo as exigências do Evangelho. Foi o que fez esta mulher. Tornou-se seguidora, íntima de Jesus. Maria de Magdala é a mulher a quem o Senhor cura de uma grande enfermidade e que, a partir daí, o segue na vida e na morte. É ela a grande privilegiada no dia da Ressurreição. Naquela manhã, quando chega ao lu

Tudo é vão

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Hoje, sem querer explicar o porquê, escrevo somente uma frase do livro do Eclesiastes: " Vanitas vanitatum et omnia vanitas ". E para ajudar à frase bíblica coloco aqui o jovem Narciso da mitologia grega (pintura de Caravaggio); esse, de tanto se olhar no rio, que lhe servia de espelho, acabou por afogar-se no seu próprio reflexo. Razão tinha o sábio do Eclesiastes quando escreveu: " Vaidade das vaidades, tudo é vaidade ".

Regra de Vida

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Quem funda uma Ordem Religiosa ou uma Congregação tem, forçosamente, que escrever ou escolher uma Regra de Vida. A primeira grande Regra que se conhece é de Pacómio, eremita do século IV. No Ocidente, a grande Regra monástica é a de São Bento, que data do século VI e que assenta nos dois grandes pilares da vida 'beneditina': Ora et Labora (Reza e trabalha). Mais tarde, no século XIII, Francisco de Assis, quando o Papa lhe exige uma regra para poder fundar uma Ordem religiosa, ele, inocente ou cândido, apresenta ao Papa o livro dos Evangelhos dizendo que o Evangelho é que há-de ser a sua Regra. O Papa diz que não pode ser e que terá que escrever uma Regra. Francisco redige-a, apresenta-a ao Papa que a acha muito severa mas que acaba por promulgar. Em relação a São Domingos a história é diferente. Há um Concilio pelo meio que proíbe mais regras, obrigando os fundadores a optar por uma já existente. São Domingos, como já vivia a Regra de Santo Agostinho adopta-a para os seus frad

Horário de Verão

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Já com ares estivais começo hoje o meu horário de Verão. A Missa do Campo Grande suspende-se até meados de Setembro; aqui no Convento a Missa matém-se mas com menos gente e mais rotatividade nas presidências das missas. É bom termos na vida ritmos diferentes. Para mim, até Setembro, vai ser um tempo de trabalho à sombra: fazer o que não consegui fazer durante o ano como ler, escrever, pautar (passar músicas a limpo no computador), programar o próximo ano pastoral.... Trabalho sempre em férias mas... a meio gás. Brindo a este novo tempo. Como Abraão - lia-se hoje na primeira leitura da Missa - sinto-me à sombra do carvalho de Mambré. Trabalhar à sombra. E que não me iluda pois, mais rápido do que penso, virá a mudança de horário. (Gustave Courbet, Pôr-do-Sol no lago de Géneva, 1876)

O meu Deus ou o meu ídolo?

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Nalgumas conversas que vou tendo, dizem-me às vezes : "eu tenho o meu Deus" ou "o meu Deus é diferente do Deus dos outros". Calo-me porque, quando assim é, não vale a pena sequer alertar essas pessoas que têm uma ideia muito própria de Deus. Tenho pensado que, talvez fosse útil "corrigir" ideias destas. Não o faço por vergonha nem por cansaço. Muitas vezes é mesmo por respeito, tolerância e não-discussão. Mas metem-me medo expressões destas. Um dos princípios do ateísmo é o de que Deus é uma criação do homem. José Saramago, por exemplo, nos seus Cadernos de Lanzarote , exprime assim esta ideia: " Havendo Deus, há um só Deus. Dele, desse Deus único, é que teriam provindo as revelações que levaram ao judaísmo, ao cristianismo e ao islamismo. Ora, como essas revelações, quer no espírito quer na forma, não são iguais entre si (e deveriam sê-lo, uma vez que nasceram da mesma fonte), infere-se que Deus é histórico, que Deus é simples História. Por outras

Volta Saloia

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Em bom português, hoje foi dia da volta saloia. Fui a Mafra. Não por causa do Saramago - não costumo fazer dessas romarias, nem fui à procura da Blimunda nem do Sete-Sois. Fui ver, com amigos, o Convento. Fazer o caminho antigo, não cair na tentação das auto-estradas que poupam tempo mas que também nos tiram as vistas; descer para depois subir, ver ao longe as torres tão próprias do Convento e ao perto terra trabalhada e por trabalhar. Chegar ao Convento, entrar na igreja que parece grande, e que é pela grandeza interior porque, tal como os homens, as igrejas não se medem aos palmos, visitamos os santos que a habitam, alguns com mais devoção, e apreciamos o esplendor do grandioso século XVIII português. E depois assomar-se à varanda de São Sebastião, na Ericeira, para sentir a frescura do mar, vê-lo mais forte do que noutras praias visitadas, e ver a imensidade do mundo. Almoçar com mais amigos, acompanhar a brincadeira das crianças que ora nadam ora lêem. E sentir-se tranquilo, em cas

Onda suave

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Hoje, depois de andar à beira-mar, parei. Sentei-me. E pensei na morte. O que ficará? E pensei na vida como um estar à beira-mar, sentado ou deitado, olhando a beleza do mar, sentido o calor sol e a frescura do mar. Esperar até que venha o meu pôr-do-sol e com ele declinar. O que ficará? O decalque do meu corpo na areia até que aquela onda, ao mesmo tempo suave e atrevida, me apague e leve para alto mar.

As mães

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Mais uma vez volto a falar das mães. Isto porque hoje, ao almoço, aqui na comunidade, estavam as mães de três frades, com a minha incluída. Creio que foi a primeira vez que tal aconteceu. O motivo? A Missa Nova de um frade da minha Comunidade recentemente ordenado. Não foi combinado. Uma estava porque era o seu filho o novo padre, a outra porque não pôde vir na semana passada e a minha porque preferiu vir hoje. E assim tivemos connosco as nossas mães. De repente até pensei promover um encontro de mães... Quem sabe? Mas este dia, para mim, traz-me outros motivos que merecem ser aqui lembrados. Um deles é que, há seis anos, também eu celebrava a minha Missa Nova, não aqui mas em Marvila, a minha paróquia de baptismo. Datas que nos marcam, sobre isso também já aqui escrevi. Também hoje termina, para mim, o ano pastoral. Não sei bem o que isso é, mas sei que entro agora num outro ritmo. E não poderia terminar de melhor maneira: aqui no convento com a já falada Missa Nova, no Campo Grande o

Incredulidade

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Hoje é dia de São Tomé. Aquele que resistiu à notícia da Ressurreição:" Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no peito, não acredito ". Mas foi da boca deste incrédulo que saiu a mais bela confissão de fé: " Meu Senhor e meu Deus! ". E foi também na sequência deste episódio que Jesus nos declarou a todos bem-aventurados porque acreditamos sem termos visto. Neste dia faço esta oração: Senhor, a minha fé é fraca. Gostaria de sentir mais a tua presença. Mas aumenta a minha pouca fé. Faz que eu toque nos teus mistérios para que te sinta perto de mim.

As datas de cada um

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Cada um de nós tem as suas datas. De boa ou má memória vamos celebrando ou só lembrando o que tornou diferente o dia que nos marcou. Os casais têm uma data que nunca esquecem, ou mal vai se a esquecem: a do casamento. Nós, padres, por comparação, temos a da nossa ordenação. Mas não é da minha que hoje falo. Esperava que um amigo meu escrevesse no seu blogue sobre o dia da sua ordenação - passa hoje o 4º aniversário - mas até esta hora nada. E então, neste meu blogue, escreverei sobre o seu aniversário de ordenação. Creio que ele não me levará a mal. O que cada um sente ao lembrar esse dia é mesmo pessoal e íntimo. O que eu senti não é o que outro padre sente ou poderá sentir. Mas acho que um sentimento comum é o de acção de graças. Dar graças a Deus porque tentamos, com muitas quedas mas também com a vontade firme de ser fiel, responder ao seu chamamento. Acção de graças porque, mesmo sabendo que somos frágeis, sentimos que somos um vaso de barro que Deus modelou e que colocou lá dentr

Ponto de situação

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Antes mais, quero aqui escrever que estou a ouvir uma antologia musical. Acho o conceito interessante: ouvir os gostos musicais de pessoas conhecidas, amigos... Já conhecia a versão poética, eu próprio tenho a minha... mas esta deixa-me surpreendido, mesmo não que estes não sejam os meus estilos musicais. É bom estar aberto a outros ritmos e até às tendências modernas. Entretanto vou fazendo um ponto de situação. Os últimos dias têm sido um misto de cansaço e descanso. Por um lado a agenda vazia, como um barco desamarrado do cais e, por outro, coisas que nos acontecem, telefonemas, emails , problemas, pensar no que nos acontece... Mas têm sido dias eufóricos. No domingo foi ordenado um frade da minha Comunidade. E, embora o meu empenho tenha ficado aquém do que eu próprio tinha planeado, a obrigação do cargo que ocupo não me permite ausências, silêncios nem desatenções . A cerimónia da ordenação foi muito demorada, demasiado para mim, mas é sempre emotiva porque imaginei que há seis an