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A mostrar mensagens de 2011

Ultimas horas de um ano velho

Aqui deixo, nesta última página deste ano de 2011, uma reflexão tirada do Diário de Miguel Torga (XV): Coimbra, 31 de Dezembro de 1988 — É quase meia-noite e começa a erguer-se por toda a cidade uma onda de alegria ruidosa. O ano velho está a dar os últimos suspiros. Foi bissexto, e não deixa saudades. Guerras, terrorismos, fome, desastres, terramotos. E é o advento do novo que celebramos festivamente. Sempre assim aconteceu nesta data. Amaldiçoa-se o passado e bendiz-se o futuro. Que mais pode fazer a impotência humana? Tentamos forçar a benevolência dos fados com a força redentora da esperança. Os fados é que se devem rir da candura. E da falta de memória. O mal não está no tempo. Está na nossa condição.

A lançadeira do tear - obituário

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Nestes três últimos dias chega-me a notícia da morte de três pessoas minhas conhecidas. Ao mesmo tempo que oiço o sermão de quarta-feira de cinzas, do P. António Vieira, dito pelo Luís Miguel Cintra, em que constantemente nos é lembrado que somos pó e que pó havemos de ser. Estas três pessoas não me estão ligadas pela intimidade - não eram meus amigos, apesar de hoje em dia já se considerar amigo a alguém que se associa à conta do facebook - mas porque, de algum modo, se cruzaram na minha vida. A primeira notícia chegou-me na quarta-feira, ao final da tarde. Um frade espanhol, fr. Paco Hermosilla, de cinquenta anos, de insuficiência respiratória, após um segundo transplante de fígado. Conheci-o em Sevilha, quando lá estive a fazer o noviciado. Confesso que não foi uma relação amigável. Feitios diferentes fez com que, durante esse ano, e não só comigo, houvessem alguns choques. Voltei a encontrá-lo no ano passado, quando veio a este convento para uma reunião. Nesse dia do mês d

A noite de Natal

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Sou uma noite como todas as outras. Mas ao mesmo tempo sei que sou diferente de todas as outras. Não valho por mim; sou conhecida pela noite em que nasceu um Salvador, um Messias, o Filho de Deus. E gosto de ver o que acontece no mundo quando vivem a minha noite: uns estão reunidos em família, outros andam tristes porque a vida não lhes corre bem, outros ainda gostariam que esta noite passasse rápido ou que não existisse. Mas eu cá estou. Sempre fria, não tenho a culpa, mas sempre quente, porque é este Menino quem a aquece. Sempre escura, afinal sou a noite, mas radiosa como nunca, porque nasceu uma luz fortíssima que me ilumina. À medida que vou vivendo, várias coisas acontecem: por uma janela vejo uma família que reza e, noutra, outra família que discute; uns que estão à mesa e outros na televisão, uns que riem e outros que choram. Numa torre da igreja os sinos tocam, noutras ouço canções de embalar... Mas eu sou a mesma e nada muda por minha causa. E o meu tempo vai terminando. D

Quase Natal

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Estamos quase no Natal. De há uns anos a esta parte que não tenho grande alegria no Natal. As prendas são uma obrigação, o social e o familiarmente correto; está bem que há sempre a afetividade, mas mal vai se o nosso carinho pelos outros fica num cartão de dinheiro em compras numa loja, ou num frasco de doce ou de perfume. Até os afetos já precisam de se materializar. A minha tristeza não é uma tristeza de falta de sentido, mas talvez porque tudo me parece vazio. Tudo se faz porque sempre se fez, rotinas anuais, tudo sempre igual... culpa minha, talvez, porque haverá gente com muita alegria espiritual a celebrar o Natal. Pois a mim, muito sinceramente, já tudo me aborrece, desde as luzinhas a piscar às correrias eclesiásticas destes dias, de missas de natal antecipadas. É no que estamos. Não sei que volta tenho de dar, ou até se há volta a dar. A única coisa que ainda me vai dobrando o coração é o presépio. Não os elaborados, não os de muitas peças, mas o que brota das mãos de quem

Ao ritmo dos dias

8h - Oração de Laudes. A partir de hoje no oratório do convento, devido ao frio da igreja. Tenho pena de não ter resolvido o 'problema' do aquecimento da igreja. Torna-se incómoda o fria. Mas já não vou a tempo. 8.30h - Atendimento de pessoas que pedem para falar comigo. Em Roma, numa conversa com um frade mais novo que eu, dizia-lhe que umas das dimensões da vida de padre que nunca pensei que iria exercer, nem nunca fomos preparados nem nas Ordens Religiosas nem nos Seminários, é esta do atendimento das pessoas. Muitas vezes é ouvir; noutras é aconselhar, tentar encaminhar, ajudar...Faz-se o que se pode mas com muita ajuda de Deus, claro está. 10.30h - Celebração nos Maristas com crianças do pré-escolar. A alegria dos miúdos comove-me. A uns conheço-os, outros conhecem-me de virem cá à Missa, e outros da Missa de Natal da terça-feira passada. Uma menina, ao ver-me de túnica, exclamou: Outra vez Natal? As celebrações com estas crianças são muito básicas para adultos mas m

Advir - Um poema de Advento

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o advento chega com o cair da folha e clama: levantai a cabeça, vigiai! o advento chega com o abatimento, a decepção a desistência e reclama: erguei-vos do chão, a alegria é o bordão que reverdece o vosso andar o advento chega como o sono que reclama a vitória sobre o medo da noite a entreaberta janela por que surde o dia o advento chega pela noite dentro a erguer do chão os dias obscuros que até os ulmeiros escurecem o advento chega para reacender a fogueira morta dos nossos desejos com o Messias chega para a terraplanagem chama e os recomeços (fr. José Augusto Mourão - inédito; imagem: Francesco del Cossa, São João Batista)

De regresso

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A gastar as últimas horas em Roma. Os trabalhos correram bem, os que chegámos a comissão gostámos de nos conhecer e os três temos um mesmo objetivo: que a liturgia seja um sinal de unidade na Igreja. Ontem foi um dia muito importante para os três. Fomos ver o mais precioso livro da Ordem Dominicana, o Prototipus Humberto Romanus, que é um livro de catorze livros, o primeiro que em que se reúne toda a matéria litúrgica da Ordem. É um manuscrito do século XIII, bem guardado e não acessível. Foi emocionante porque quem se interessa pela liturgia dominicana tem este livro como referência e foi, no século XIII o primeiro grande gesto de unidade da Ordem, através da liturgia. Porque este livro não se mostra muitas vezes, convidámos outros estudantes de liturgia, que estão a estudar aqui em Roma. Como ningúem quis tocar no livro coube-me a mim fazê-lo. Da parte da tarde fui a um outro sítio muito importante para nós Dominicanos: o mosteiro de São Domingos, onde está uma comunidade de monjas.

Músicas e Jubileu da Ordem

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Mais um dia de trabalho que chega ao fim. Em Roma os dias escurecem cedo. No fim do dia, mesmo cá em cima, ouve-se o barulho dos carros e o barulho estridente das sirenes da polícia, sempre a tentar furar pelo trânsito caótico dos romanos (para não generalizar). Apesar deste blog mais parecer um facebook ou um twiter, não resisto a escrever aqui o trabalho deste segundo dia, que se dividiu em duas partes: de manhã sobre a música e, na parte da tarde, uma conversa agradável com o Mestre da Ordem, sempre bem disposto e pronto a escutar. Há uma questão de fundo que está presente nesta comissão de Liturgia e que deixa apreensivo quer o Mestre da Ordem quer os próprios membros da Comissão e até outros frades, que é o movimento "tradicionalista" dentro da Ordem. Convém fazer a distinção entre conservador e tradicionalista mas, de fato, esta é uma questão presente. Por isso, qualquer passo que se dê em termos de liturgia, tem de ser cuidadoso para que a unidade da Ordem não sej

A melhor vista sobre o Vaticano

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Conta-se que, numa visita que o Papa João XXIII fez a este convento de Santa Sabina, levaram-no a uma parte do Convento, chamada Belvedere, que é um terraço elevado (miradouro, neste caso miratevere), com uma vista soberba sobre Roma e sobre a cúpula do Vaticano. O Papa, ao ver a cidade e apontando para a cúpula de São Pedro exclamou: " Esta é a melhor vista sobre o Vaticano. E isto é infalível! " Esta história conta-se em Lisboa, em Paris, onde quer que seja, sempre que se fala de Santa Sabina. Ontem, ao jantar, voltou a contar-se esta história. E, no final, disse um frade inglês: pena que no vaticano se tenha perdido o sentido de humor. Gargalhada geral. Esta é, de fato, uma das mais belas vistas sobre a cidade de Roma. Aqui ao lado, pela fechadura do portão da Ordem de Malta, pode ver-se com um binóculo lá instalado, a cúpula de São Pedro. Mas aqui é diferente: vê-se grande parte da cidade: em frente o Vaticano, à direita o monumento a Vitor Emanuel, à esquerda Traste

Babel em Santa Sabina

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Para quem pensa que vir a Roma é vir de férias, que se engane. Posso dizer que hoje não saí literalmente de casa... ou melhor, saí para ir para a igreja, manhã cedo, para a Missa. O dia foi passado, portanto, intra muros; entre o quarto e a sala de reuniões, igreja e refeitório. Fiz esta associação mas poderia fazer de outra maneira: quarto e refeitório e sala de reuniões e igreja. O trabalho hoje foi o dos mais novos. Embora a comissão não seja muito grande, estamos três da comissão que acaba e três da que agora começa, hoje o trabalho foi dos que acabámos de chegar. Cada um apresentou um pequeno relatório sobre a situação das traduções das suas regiões. A mim coube-me a tradução espanhola, que vai para além da Espanha (pensemos em toda a América latina), e também a portuguesa, que inclui o Brasil. Com a Babel instalada, a língua oficial é o italiano, que nenhum dos novos fala, resta-nos o inglês e o francês porque quem fala italiano não fala inglês. Menos mal que um dos mais velho

Mais uma viagem

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Roma. Ancora una volta . Os aviões sempre com atrasos e sempre com desculpas. A de hoje foi o nevoeiro. E pensei: na Escandinávia devem andar todos trocados! Conclusão: saímos com uma hora de atraso. Estou em Roma numa reunião, a primeira em que participo, da Comissão de Liturgia da Ordem. Vai ser uma semana. Deus queira que tenha uns tempos livres para passear em Roma, que se conhece andando. Agora que já descobri uns atalhos para chegar ao centro de Roma, dá para sair mais. A casa já a conheço: Santa Sabina, dos meus amores, que me faz lembrar o meu convento de Lisboa. O Aventino está para Roma como o Alto dos Moinhos está para Lisboa: calmo, um lugar de partida e de chegada. É bom sair da cidade para regressar a casa. Com os atrasos todos e com as chegadas ao convento, davam as quatro horas na igreja de Santo Alessio; ainda me deu para ir aos sítios onde teimosamente queria ir antes de tudo: Videre Petrum . Lá me pus a pé (verifico agora que foram cerca de quatro km para cada lad

Sinais de Advento

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Já sinto o sabor do Advento. Ele aí vem, com a mesma esperança de sempre, apesar do roxo que o veste. Já oiço a voz dos profetas que chama ao caminho da verdade e da verdadeira conversão. Já vejo a aurora que vem depois do entardecer trazer a frescura do novo dia, sinal daquele que não há-de ter fim. Já sonho com os tempos definitivos em que não se ouve falar de guerras nem de desgraças causadas por mão mãos humanas tantas vezes carregadas de injustiça e de desamor. Já espero o sim da Mãe de Deus, que é também o meu, que consente a vinda do desejado dos nossos corações. Curvo-me como a planta que espera a nova madrugada para se abrir com novo vigor ao Deus connosco o Emanuel. (imagem: Salvador Dali, Será chamado profeta do Altíssimo)

Chá de beneficiência

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Decorre nestes dias, no Convento dos Cardaes, um chá de beneficiência em ajuda da obra que as Dominicanas de Santa Catarina de Sena lá desenvolvem, relacionada com pessoas invisuais ou com deficiência. Quem lá vai, além do chá e da fatia de bolo caseiro, pode comprar livros, doces e biscoitos feitos lá, e que são ótimos. Estive lá esta manhã, numa visita de médico, não por causa do chá, que só começava à tarde, mas por causa de uma papelada que tinha de entregar. Mas as Irmãs quiseram mostrar-me não só as exposições do próprio convento - obras de arte espantosas e bem cuidadas - bem como as salas de exposição com as mesas de chá colocadas no claustro. Mas, se falo desta visita, é para aqui deixar o que vi numa das salas. Um oratório que, fechado, parecia um armário mas que, aberto, se desdobrava em beleza de imagens e de teologia. Quando se abriam as duas portas laterais, de que falarei mais adiante, via-se um tríptico, com uma imagem (estátua) da Imaculada Conceição. Nos outros

Um poema para a crise

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Há mais de uma hora que procuro a frase certa, a quadra ou o poema, que dê corpo ao postal de Natal do Convento. De autor em autor, de antologia em antologia, vou folheando as páginas para ver se encontro alguma coisa que me agrade. A minha mentalidade, talvez antiquada, não se conforma com estes poemas modernos, que falam de árvores-de-natal chinesas ou de Natais passados em Miami. Mas também acha desajustada ir buscar às arcas encoiradas os poemas barrocos de anjos resplandecentes e Meninos Jesus em frias palhas deitados... Não encontro um meio termo. Nem o Torga me salva desta aflição. Os seus poemas de Natal são interessantes mas muito pessoais... Não tenho uma frase de Santo Agostinho ou de Santo Efrém que me resolva a preocupação. O que me apeteia mesmo era escrever na caixa do texto "Devido à crise não se encontrou um poema à altura da época que celebramos". Mas não pode ser. Sendo assim, acho que este ano vou-me ficar pela Sophia, num poema de duas linhas, que, não

O curativo

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" Feliz o homem a quem Deus corrige! Não desprezes a lição do Todo-Poderoso. Ele é quem faz a ferida e quem a cura; Ele fere e cura com as suas mãos ". Ela adormeceu com um livro aberto entre as pernas, com dedo sobre esta passagem, sublinhada a vermelho, do livro de Job. O livro era o da Bíblia, ainda com escrita antiga, porque além da Bíblia ser muito antiga, a edição que tinha herdado dos pais também não era nova. Nunca quis ter outra Bíblia. E agora, no canto da sala, sentada no cadeirão, com uma manta verde com riscas azuis sobre as pernas, ia passando grande parte das tardes. Aliás, na mesa de apoio, com tudo à mão, tinha a Bíblia, o terço, um livro de orações e umas fotografias dos entes queridos, uns ainda na terra dos vivos e outros já na terra da Verdade. O filho aproximou-se e, ao tentar tirar o livro das mãos da mãe, acordou-a. Já várias vezes o filho tinha lido da Bíblia da mãe; sabia inclusivamente que, um dia, mais cedo ou mais tarde, o livro seria se

Ao som da chuva

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Desde que vim de Roma o tempo não me chega. Ok, um pouco exagerado, tavez, mas é o que sinto. Têm sido coisas atrás de coisas, com imprevistos pelo meio, o que faz com que nem tudo esteja a ir ao ritmo que precisaria e que o meu trabalho merecia. Mas um sábado tranquilo, como há muito não tinha, está a dar para adiantar trabalho mais urgente, como a homilia de amanhã, que acabei de escrever. Ao som da chuva. Gosto da chuva. Da janela do meu quarto vou vendo as metamorfoses do dia que começou com algum sol, foi escurecendo, e acaba de chover forte e feio, seria a expressão, mas digo forte e bonito. Porque ela veio mansinha, com o seu introito, pinga aqui, pinga ali, o vento a dar expressão e, de repente, num crescendo contínuo, cai certinha, molhando tolos e não tolos. Cai muito depressa, como se a nuvem escura que pairou sobre o convento quisesse descarregar aqui a água toda de uma vez. Foi o som da chuva que cai, com algum ruído dos carros que passam, que me fizeram parar o qu

Onze do onze de dois mil e onze

Ontem, às onze horas e onze minutos do dia donze do onze do ano de dois mil e onze, estava no céu, que é como quem diz, no avião. A caminho de Roma. Dou-me conta que começa a acontecer com Roma o que já há anos tem acontecido com Fátima: ir em trabalho. E não há tempo para marcar programas extras. Vai-se com pouca antecedência, está-se na reunião e regressa-se ao final do dia ou no dia seguinte de manhã. Mesmo que por ilusão se possa pensar que a reunião acaba antes e pode-se ir à cidade eterna ver esta ou aquela igreja ou ainda a janela da sala de trabalho do Papa. A grande alegria é que fico hospedado, pela primeira vez, em Santa Sabina. Santa Sabina é uma das mais antigas igrejas de Roma. No século XIII o papa deu-a a São Domingos, e aí viveu e daí se fez a Cúria Geral. Já tinha estado duas vezes neste Convento, mas sempre de visita, de passagem. Desta vez vai ser diferente. Vou em trabalho, uma reunião de preparação de um encontro dos provinciais dominicanos da Europa que, em 2012,

Aniversário da Dedicação da Basílica de São João de Latrão

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Dizem que vir a Roma e não ver o Papa é uma grande falta, mas, vir a Roma e não me vir visitar é uma falta maior. Porque sou a mais antiga igreja de Roma e do Mundo. Com razão me chamam a "Mãe de todas as Igrejas". Antiga, bela e formosa. Sou antiga porque sou do tempo do cristianismo livre, dos tempos de Constantino, que me mandou construir. Pedra sobre pedra, aos poucos, numa mistura de lágrimas de trabalho misturadas com as lágrimas de alegria por, finalmente, deixarem construir-me para acolher os cristãos. Os meus construtores quiseram deixar a sua marca. E mandaram escrever, na minha fronte, por cima das colunas, estes dizeres: " Por direito papal e imperial, estabeleceu-se que eu seja a Mãe e cabeça de todas as Igrejas. Quando se concluiu toda a obra, determinaram dedicar-me ao divino Salvador, dador do Reino celestial. Por nossa parte, ó Cristo, a Ti nos dirigimos com humilde súplica, e Te pedimos que, deste ilustre templo, faças a tua residência gloriosa "

Aterragem

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Acabo de aterrar em Lisboa, vindo de Espanha, mais concretamente de Sevilha. Fui em trabalho, apesar de que quando de fala em viagens, se pense que se vai passear. Em representação do Padre Provincial, dois motivos me levaram à belíssima cidade de Sevilha: a uma reunião de provinciais da Península Ibérica e à tomada de hábito de dois noviços que ali estão a fazer o seu noviciado. A reunião, apesar de não se poder dizer muito, correu bem, quase tudo nomeações para cargos de coordenação de equipas de trabalho. Nestas coisas vem-me sempre à memória esta frase que não sei de quem é, será porventura da sabedoria popular, ou se a inventei, o que é pouco provável: quanto mais nos mostramos mais sobra para nós. A tomada de hábito, no domingo, foi simples e emocionante. Talvez mais para mim do que para eles, mais ontem que há treze anos. É sempre o mudar de roupa e o que isso significa. Vestir o hábito deveria dizer-nos que há hábitos a mudar, os maus, claro está. Embora o hábito não faça o

O que é a vida?

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O que é a vida? A vida é a nossa participação na história. Como as estações do ano ou como as paisagens, a vida vai mudando e nós com ela. Mas nós também mudamos a história. A história era diferente antes de nós e não será igual depois de nós. Nós mudamos a história com a nossa vida: as nossas acções, boas e más, as nossas palavras, as nossas opiniões e as nossas decisões, os nossos amores e os nossos ódios... Tudo é vida, tudo é história. Mas a vida não se cruza só com a história. Na nossa vida temos factos e temos pessoas. Cruzamo-nos com os outros, que também têm as suas vidas e as suas histórias. Como os castelos. Pedra sobre pedra, fortalezas, onde só entra quem deixamos, o sítio de encontro, o lugar da segurança, para os que amam, o lugar do amor. Bem situados, normalmente nos altos das vilas ou das cidades, de lá nós vemos quem se aproxima: amigos que nos querem bem, os mal intencionados, que nos deixam assustados, os desconhecidos que nos visit

Deus, pintor da vida

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No céu cinzento e molhado um arco-íris é desenhado pelo dedo de Deus. As cores não são as nossas; em vez de dinheiro, saúde, trabalho e sucesso, Deus pinta o seu arco com as cores da fidelidade, da esperança, da confiança e da fé. Deus, pintor da minha vida, guarda-me debaixo do teu arco da aliança, e que as cores que vejo no firmamento me ensinem a simplicidade, a confiança e a alegria.

Os primeiros de Novembro

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Na aldeia o mês de Novembro era um mês intenso. Todos os dias havia que celebrar, fosse religioso fosse mais profano. No dia dos Santos a aldeia respirava santidade: grande silêncio nas ruas e nas casas; os homens iam tratar do gado e as mulheres tratar do almoço. E nestes trabalhos de fazer por casa esperavam a hora da Missa, marcada pelo padre Acácio, para as dez da manhã, mais ou menos, tudo dependeria do tempo e da disposição da égua que o trazia. O animal andava cansado. Sempre carregada, os padres também pesam, e o padre Acácio tinha bom peso. A volta para dizer Missa era sempre a mesma: Missa em Pretarouca às sete, nas Dornas às oito e meia e em Feirão às dez. O padre Acácio gostava de ensaiar cânticos para a Missa. Quase sempre trazia um verso para ensaiar no fim da Missa e as raparigas cantavam bem. Depois da Missa juntava-as, cantava uma ou duas vezes o verso, mandava-as repetir e depois advertia-as que não o voltassem a cantar sem ele, não fosse o diabo tecê-las e altera

Passa o tempo e com ele as nossas vidas

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Este título é tirado de um hino da Liturgia das Horas. Hoje a igreja do Convento onde vivo faz seis anos que foi dedicada. Não tenho muitas palavras para dizer, já escrevi outras coisas neste dia no blogue (ver anos de 2009 e 2010). Mas hoje quero trazer aqui o que disse naquele 30 de Outubro de 2005, no final da Missa da dedicação da igreja: Santo Agostinho num dos seus sermões, certamente pregado num dia como o de hoje, dizia que a “construção de um templo faz-se com trabalho e a sua dedicação realiza-se com alegria”. E este dia é para muitos de nós, especialmente para os dominicanos portugueses, um dia de singular importância e de alegria. Vemos hoje realizado um sonho que há muito trazíamos no coração: a construção e a dedicação desta casa de Deus que é também a nossa casa, a casa da Igreja. Mas este dia é também ele de compromisso diante de Deus e diante e da Igreja: o compromisso de continuarmos a viver o carisma da Ordem Dominicana: a pregação. Queremos que esta igreja seja

Ode ao meu anjo da guarda

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Tenho um anjo que me protege. Não sei se é o da minha guarda a quem rezo ou se é aquela sombra com asas que reza por mim. Talvez não seja Arcanjo como Gabriel, Rafael ou Miguel. Se calhar nem está no catálogo das categorias da corte angelical. Mas é um anjo que às vezes é como o colo da minha mãe, onde gosto de me deitar quando o medo ou a tristeza me tocam. Um anjo que é aquela voz que me sossega e acalma as batidas alteradas do coração. É aquele que me protege com as suas asas e me aperta contra ele quando o frio e o vento que quase me levantam. É aquela presença discreta que age e orienta a minha vida e os meus passos. É aquele sorriso que se junta ao meu sorriso, é aquele olhar de esperança que olha comigo os horizontes da confiança. São aqueles passos que oiço quando caminho e aquele lugar ocupado ao meu lado. São aquelas palavras que me diz em nome de Deus, pequenas frases que me fazem andar e não desistir. Tenho de dizer obrigado a Deus porque me d

Agenda depois do dia ter passado

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Gosto de pensar no dia que tive. Diariamente. Quem vi, com quem estive, a quem falei, o que ouvi numa conversa, o que calei... o que fiz mal em ter dito ou ter omitido... muitas coisas, das mais normais da vida de um mortal. Hoje o meu dia foi longo (e eu a pensar que depois de Fátima teria dias mais calmos...); começou cedo e só agora está a ver o fim à meada. Aqui fica o percurso cronológico: 8h - Missa na paróquia dos Capuchinhos. De vez em quando chamam-nos para lá irmos celebrar. E gosto de lá ir. Hoje, ainda meio de noite, com chuva constante mas certinha, lá fui eu celebrar esta Missa. Não tinha muita gente mas encontrei gente conhecida. 10h - Missa no Mosteiro do Lumiar. Esta semana não foi na quinta como habitualmente. Entre Missas venho a casa deixar coisas e levar outras. Levo o mp3. Oiço música clássica para ir e para vir. Mozart. Uma sensação engraçada: ver os movimentos das pessoas e das coisas, com chuva, sem ruídos, só com Mozart a dar ambiente ao que se vê. A Mi

Datas que não se esquecem

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Sou um bocado esquecido em relação a datas; às dos outros e às minhas. Tenho uma agenda onde coloco as datas dos aniversários das pessoas amigas e muitas vezes esqueço-me de lá ir ver a quem toca festejar mais um ano; No diretório litúrgico (livrinho onde vêm as determinações da liturgia para cada dia) tenho os aniversários dos frades e as datas importantes do Convento e da Província; na minha cabeça muito poucas datas e às vezes confusas. Mas o dia de hoje é um dos que me ficou gravado. Talvez por estar associado a uma outra comemoração. Comecemos pela mais importante: hoje é o dia de aniversário da Dedicação da Sé de Lisboa. Temos que ir lá muito atrás na história lusitana, a 1150, três anos depois da conquista da cidade aos mouros, em que D. Afonso Henriques mandou destruir a mesquita e construir sobre ela uma igreja catedral para o seu primeiro bispo D. Gilberto de Hastings. Já agora, em atalho de foice, Catedral e Sé são dois sinónimos: Catedral, lugar da cátedra (cadeira) e Sé

Á espera da chuva

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Estive todo o dia à espera da chuva. Promessas de que o tempo ia mudar, as temperaturas iam baixar e que até podia começar a chover nesta tarde. Mas não. Parece que o dia andou a brincar connosco. Ora vinham nuvens ora vinha sol. Olhava para o céu e pensava: é desta. E não. Lá vinha um raio de sol que estragava tudo. Estou farto do verão. Estamos a terminar o mês e ainda nada de frio e chuva. Qualquer dia deixamos ter o "verão de São Martinho" para passarmos a ter verão até ao São Martinho! Mas durante este dia, muito caseiro, devo dizer, pensei bastante nos dias cinzentos. Não os dias metereológicos mas os dias em que só vemos cinzento na nossa vida. Não me refiro a mim, pessoalmente; apesar de algum cizento claro, inato, não costumo sofrer de daltonismo psicológico ou espiritual, mas tenho vindo a reparar que, às vezes, as pessoas carregam no cinzento da vida. Não nego que a vida, para muitos, esteja pintada em tons de cinzento ou até mesmo a preto, mas, algumas vez

Viagens

Viagens. Linhas à roda, que se cruzam ou não se encontram, como as vidas que andam de cá para lá, sem norte nem freio. Viagens. caminhos diferentes, obrigados ou livres, provocados ou facultativos, que nos levam mais além do que vemos e de nós mesmos. Viagens. simulações de uma outra que temos de fazer, sem muita bagagem ou distração; com destino certo e horizontes novos. Viagens que se fazem com Deus peregrino como nós.

Algumas linhas sobre os dias passados

Quinta-feira, dia 13 de Outubro. 9.30h - Missa no Lumiar. Durante a doença do fr. José Augusto assumi ir ao Mosteiro do Lumiar todas as semanas, normalmente à quinta-feira, celebrar para quatro monjas. É mais o tempo de viagens a pé e de metro que o tempo da Missa. Mas, bendito seja Deus. É uma Missa muito tranquila, e sempre com um café depois da Missa, com as Irmãs. O que me questiona sempre é o futuro. Delas e meu. A caminho de casa recebo um telefonema da minha mãe. Raramente me liga para telemóvel. Boas notícias. Um problema gordo que se arrasta há já uns anos acaba de resolver-se. Grande mulher, a minha mãe, que aguentou e esperou pelo melhor momento. Tem mais paciência que eu. Lembrei-me do que a minha avó me dizia quando era muito apressado e impaciente: A vida há-de dobrar-te. 13.30h - Funeral na paróquia de S. Domingos de Benfica. Almocei, antes do funeral, com o pároco, na paróquia. Tudo tranquilo depois de dois anos conflituosos. Aos poucos tudo acalma e retoma a paz per

Os feriados

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Volta à carga a extinção de dias feriados no nosso calendário. O Orçamento de Estado para 2012 quer que alguns feriados e pontes deixem de ser gozados. Claro que por causa da crise. Sabemos que por detrás da crise há outros motivos que forçam algumas decisões. O que me dá pena é que não se sejam motivos nem verdadeiros nem coerentes. Se o problema fosse, de facto, a crise, não se extinguiam mas suspendiam-se. Mas enfim. Queria escrever umas linhas sobre o que penso sobre os feriados em geral e sobre os feriados católicos em especial. Já não é a primeira vez que o faço e tenho consciência que muita gente vai estar em desacordo. É legítimo. E começo por estes últimos. Acho que  deveriam acabar os feriados católicos. Não fazem sentido numa sociedade laica, pluricultural e plurirreligiosa. Ponhamo-nos no lugar dos muçulmanos, por exemplo. Não poderem ir trabalhar no dia de Natal, ou no dia do Corpo de Deus... deve ser uma coisa horrível. Ou coloquemo-nos do lado dos não praticantes. U

Contagem decrescente

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Há dois anos que este dia 7 de Outubro, dia de Nossa Senhora do Rosário, é importante na minha vida de frade. Foi o dia em que aceitei, pela segunda vez, ser prior deste convento de São Domingos. E como nos dominicanos os priorados são limitados em relação ao número de anos (3 anos) e de mandatos (2 mandatos), começo hoje a contagem decrescente. Entro no meu último ano de prior do convento pela segunda vez. Neste dia só peço a Deus que me ajude a levar a bom termo este mandato e esta comunidade. Que a pressa de acabar não seja mais rápida que o correr dos dias, que o cansaço não abafe o que ainda pode haver de energia e que a tristeza do não conseguido não abafe a alegria de servir. E que Nossa Senhora do Rosário me ajude nesta etapa final. (imagem: Juan Espinoza de los Monteros, Nossa Senhora do Rosário, séc. XVII) (Durante esta semana o número de visualizações do blogue chegou aos 50.000. Muito obrigado pela vossa passagem por estes retalhos.)

Reconfigurações

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Aterrei em Lisboa. Que é como quem diz. Regressei à base. Depois de 10 dias fora, volto ao trabalho do dia-a-dia. O que estava mais ou menos esquecido voltou: o meu computador que se avariou já está operacional, embora tenha perdido grande parte dos últimos documentos em que estava a trabalhar. Agora, reconfigurar tudo de novo: programas, favoritos, documentos... como se tudo se tivesse desmoronado e andar agora entre os escombros a ver o que é que ficou... O barulho dos carros e a correria voltaram. Que ironia. Ainda por cima no dia de São Bruno. Até eu tenho que me reconfigurar à cidade, que já quase tinha esquecido. Depois de dias tranquilos e silenciosos é difícil o readaptar. Entretanto, os planos mudaram nos últimos dias. Uma chamada de urgência de um mosteiro de monjas dominicanas a dizer que uma monja que conheço estava muito mal e que me pedia para me ver. Lá fui eu, numa visita-relâmpago, entre a tarde de terça e o dia de ontem, subir e descer montes às voltinhas, para i

Vidas paralelas IV

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Conclui-se este ciclo de artigos sobre as vidas paralelas, para dizer o que foram estes dias para elas e o que foram para mim. As Constituições das Monjas dizem que elas fazer um retiro anual de oito dias completos. Pode-se perguntar para que é que estas mulheres que vivem em silêncio e contemplação precisam ainda de um retiro e de oito dias, se a vida delas já é um retiro... Creio que o fazem por outros motivos que a obrigação das Constituições, se bem que estas irmãs são fiéis cumpridoras das leis. Faz sentido que, no ano, haja uma quebra na rotina. Abrandam o trabalho, as visitas são mais curtas e reduzidas, tendo mais tempo para a oração e meditação a partir dos temas que o pregador traz, quer lhe seja encomendado um tema quer seja livremente escolhido pelo próprio, que é o que costuma acontecer. Normalmente, nos retiros que oriento - e este é o segundo de oito dias a esta comunidade - costumo ter duas partes distintas: uma mais bíblica, que costuma ser na parte da manhã, e outra

Vidas paralelas III

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Seguem as vidas paralelas, deste mosteiro de monjas de clausura, onde estou hospedado durante estes dias. Vidas paralelas por causa da linha de separação estabelecida, e que é mais que uma ficção: onde não é porta é grade e onde não é grade é parede. Outro espaço dividido é o da capela do mosteiro. Aqui é uma grade que separa o coro das irmãs do altar e dos outros fiéis (as celebrações são sempre abertas embora, com a distância e os horários a participação se resuma à Missa) e, na sacristia, uma porta, que ao mesmo tempo faz de confessionário (a porta tem uns buracos a meio) e que divide a sacristia das irmãs, onde estão guardadas as alfaias, e a sacristia do padre, onde ele se paramenta para as celebrações. Comecemos pela capela. É bom que se diga que neste mosteiro não há fechaduras exteriores. Ou seja, as fechaduras ou as traves só fecham por dentro. Por isso, num mosteiro destes, nunca poderão sair todas as irmãs porque não conseguem nem fechar nem abrir o mosteiro. Na capela a me