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A mostrar mensagens de julho, 2013

Parar às dez e meia

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O relógio da igreja acaba de tocar as dez e meia. Eu estou desde as nove na sala de cima, um lugar privilegiado da casa, sossegado, a traduzir textos. E parei. Dei-me conta que não havia nenhum barulho humano. Parecia uma aldeia desabitada. De quando em vez uma brisa agradável, que entra por uma janela, o cantar dos pássaros e pouco mais. Olho para a estrada e vejo um homem que regressa, de enxada às costas. Do outro lado oiço, por fim, o chiar de um carro de vacas que vem carregado de fieitos. Fieitos deve ser uma deturpação de fetos mas aqui fetos não existem, o que existem são fieitos. E as campainhas das vacas. Servem para afastar os lobos mas aproximam as moscas. As de gente rica têm várias fiadas de campainhas, se é gente mais pobre, uma basta. As vacas são junguidas (outra adulteração de jungidas) para trabalhar. Bem diz o Eclesiastes: É melhor dois do que um só: tirarão melhor proveito do seu esforço. Hoje trazem os fieitos para se lhes fazerem a cama: as lojas são forrada

Trindades na aldeia

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  Chega o dia ao seu fim, auréola vermelha sobre os montes, promessa de um dia quente, amanhã, se Deus quiser. Ao longe ouvem-se as campainhas do gado que chega. Regressam também a casa os que o trabalho cansou, para o caldo necessário e o merecido descanso. Toca o sino a Trindades. Tira-se o chapéu, pára-se a refeição e reza-se a Deus e à Mãe do céu: Avé-Maria. (imagem: Jean-Baptiste Siméon Chardin, oração antes da refeição, 1744)

Feirão - Férias 2013

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Finalmente em Feirão. Como sempre e quase todos os anos. Para mim, sem dúvida, o melhor lugar de férias. Depois de arrumar as coisas, sento-me no lugar da casa que mais gosto: em frente ao meu Penedo Gordo. O tempo, como em quase todo o país, não está muito famoso. A chuva vai caindo e com força. Mas, pela primeira vez, vejo um arco-íris aqui. Nem nunca me tinha passado pela cabeça. Dias de trabalho e de descanso. Aproveitar para ler, rezar, escrever, trabalhar e descansar. Para mim, mudar de rotinas já é descansar. E aproveitar a calma da casa. Por aqui virei, escrever o que penso ou o que vivo. Dar notícias. Quando olho para trás e vou às memórias do que foi Feirão nos anos oitenta… não querendo ser velho, nunca pensei que algum dia, em Feirão, poderia estar conectado com o mundo. (Fotografia: torre da igreja e entrada do antigo convento de Ancede, convento dominicano, que ontem visitei)

Hospital botânico

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Tenho, num canto do corredor do convento, o mesmo piso onde vivo, uma espécie de hospital botânico. Tudo começou quando, no hospital, começaram a deixar plantas que, por falta de luz natural, iam secando e quase morrendo. E, então, comecei a trazê-las para cá e a tratar delas. Claro que o mérito meu resume-se praticamente a trazê-las e, muito de quando em quando, fazer a visita médica, cortando alguma flor que secou, regando alguma mais seca, endireitando o tronco de uma orquídea... O grande trabalho é o de uma empregada que, como se fosse uma enfermeira, dedicadamente as rega e administra os cuidados básicos. O que é certo é que o sol, água e atenção, quase ressuscitam as flores. Algumas, sobretudo orquídeas, vou oferecendo a quem passa por lá e gosta delas. Senão já não era um canteiro mas jardim. Mas, há dois ou três anos, vieram entregar-me uma planta, porque iam mudar de casa e o convento poderia cuidar dela. O que ela precisava era de luz e que fosse regada pelo meio das fol

Aos pés do Mestre

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No evangelho deste domingo iremos a Betânia, e entraremos, com Jesus, em casa de Lázaro, Maria e Maria. Apesar de ser um acontecimento da vida de Jesus, acaba por ser uma parábola em acto sobre o discípulado. As duas atitudes dos discípulos de Jesus são as mesmas destas irmãs: aos pés do Mestre e ao seu serviço. Jesus chama a atenção para o hiper-activismo de Marta (e de alguns cristãos), que não pára para escutar Jesus (oração, contemplação, vida sacramental). Esta é a melhor parte, que o discípulo de Jesus não pode descurar. Em tempo de férias, em que nos desculpamos durante o ano com as preocupações do activismo do trabalho, da família e outras coisas, e em que Deus fica “prejudicado”, esta parábola deveria ajudar-nos a ter consciência da importãncia de “gastar tempo” aos pés de Jesus. Não será nunca tempo perdido, porque é o tempo de Deus. Bom domingo!

Primeira Comunhão

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Venho da celebração da Primeira Comunhão do João Maria, um amigo meu. Faz hoje sete anos e, como prenda, recebe hoje, pela primeira vez, Jesus sacramentado, no seu coração. Pode o leitor estranhar que tenha um amigo de sete anos. Uma vez perguntei-lhe se ele era meu amigo. Ele disse-me que sim. E eu acrescentei: Eu também sou teu amigo. És das poucas pessoas com quem posso brincar. A celebração foi simples e bela, como se requer em momentos destes. Infelizmente - e já o escrevi aqui algumas vezes - faz-se das celebrações de Primeira Comunhão um acontecimento social, vazio, com barulho e exteriorismo. Esta celebração de hoje, e dou graças a Deus, fugiu a tudo isto. Simples, sem convidados, uma celebração comunitária de fé. Pedi a uma amiga que fizesse a pagela da primeira comunhão e eu, como prenda, escrevi-lhe esta oração a que daria este título: Oração de acção de graças pelo dia da Primeira Comunhão e para depois de cada comunhão. Aqui a deixo, agradecendo ao João e à família a sua

Bodas de Caná

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Este post foi programado para entrar já no dia 19. O texto é só de apresentação à pintura que hoje o António Saiote, nosso amigo, nos veio oferecer, para colocarmos numa das paredes do refeitório do Convento. Dia 19 de Julho porquê? Porque faz hoje cinco anos que a Joana, sua filha, e o Francisco casaram aqui na igreja do convento. Na impossibilidade de virem cá entregar a obra, fica aqui marcado o dia, fica aqui também o agradecimento pela presença e amizade e o pedido de desculpas pela fotografia. Felicidades.

Sobre Jesus e outras literaturas

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Uma amiga ofereceu-me uma revista sobre Jesus. Não é uma revista espiritual nem teológica. Trata de história e geografia. Mais de cem páginas sobre Jesus e o seu contexto histórico e geográfico. Só a folheei e do que vi gostei. Boas fotografias e gravuras, textos e mapas. Quanto ao texto não me posso ainda pronunciar. Mas questiono-me já, não querendo precipitar a leitura: Será que se pode falar de Jesus sem o contorno teológico e espiritual? De modo nenhum. A apaixonante vida de Jesus, e de onde sabemos a maior parte, vem da catequese, da teologia, da espiritualidade que os seus contemporâneos viram nele e experimentaram. Ora, este pressuposto não pode impedir que se estude cientificamente Jesus Cristo. Não abala a fé, mas pode iluminá-la. O redactor da revista não esconde isto quando diz que Jesus, figura, história e mensagem, atravessa dois mil anos e que, hoje em dia, mesmo em sociedades secularizadas e laicas, ele continua a ser uma contrastante referência. É lugar comum d

Férias 2013

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A Missa das 17.45h do Campo Grande foi de férias. No domingo passado foi a última Missa. Retomaremos, Deus volendo , dia 22 de Setembro. A Margarida Fonseca deu-me, no final da Missa, um desenho feito por ela, com uma mensagem de boas férias, que aqui deixo, desejando a ela e a todos os que as tiverem, umas boas férias, merecidas e descansadas. Há muita gente que não vai de férias. Mas o "ir de férias" não quer dizer mudar de sítio. Ficar em casa, em ambiente calmo, com boas leituras e boas companhias, pode vir a ser um bom tempo de retemperar a vida. As minhas serão como sempre, que de férias terão pouco. Vou para Feirão, um mês, onde assegurarei duas paróquias para aliviar o peso do trabalho dos párocos de lá. Já é costume. Eles agradecem e eu também. Mas Feirão ainda está longe. Só lá para o fim do mês. P.S. Este blogue não vai de férias.

De quem sou próximo?

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No evangelho deste Domingo, iremos escutar um belo ensinamento de Jesus sobre o próximo. No diálogo entre Jesus e o doutor da lei quem pergunta fica bem claro que a vida eterna não se conquista só com o amor a Deus. O amor ao próximo é também elemento decisivo para alcançar a felicidade eterna. E nós, tal como o doutor da lei, temos dificuldade em perceber quem é o nosso próximo: se são os que nos estão próximos, aqueles de quem gostamos ou ainda os destinatários das minhas esmolas. Mas Jesus, dá a volta a questão. Não se trata de saber quem é o meu próximo mas de quem é que eu sou próximo. O próximo não sou eu que o escolho. Será sempre todo aquele de quem eu me aproximar.  Em tempo de dificuldades, não podemos esquecer a solicitude para com o próximo que, para nós, é Cristo, que agora tem fome e sede. Conseguiremos ver no próximo (pobres, injustiçados) o rosto de Cristo? Bom domingo!

Impostos

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O senhor ' Manolo ' é um pobre pescador da pequena baía de Cadiz. Digo pobre pescador não porque o conheça mas pela monótona vida de pescador, cuja variante será a quantidade de peixe que possa apanhar ou algum mais especial que possa cair nas suas apertadas redes. Do barco faz casa. Passa o dia no barco, entre o porto e o mar, arranjando as redes, lançando-as ao mar e rezando à Virgen del Carmen para que haja peixe abundante. E explica-me enquanto fuma o seu cigarro e bebe a sua cerveja: mire usted : o mais mal pago sou eu! Eu pago a gasolina e a manutenção do barco. Apanho o peixe mas não o posso vender directamente; tenho que o entregar na lota. E agora veja o que vai de impostos: nada mais o peixe chegar a terra, tenho de pagar um imposto ao estado por ter pescado um peixe das suas águas. A lota fica também com o seu e veja a que preço o peixe já vai sair da lota. Depois, o peixeiro vai vendê-lo ao consumidor final a um preço superior ao que comprou, para pagar o im

Arrumadores solidários

Visitei esta manhã um pequeno 'pueblo ' à beira-mar plantado. Reparei que o estacionamento estava organizado de maneira diferente. Os senhores que estavam a ajudar ao estacionamento traziam uma t-shirt amarela com a palavra voluntário . Pensei que eram voluntários do ayuntamiento mas não. Tiraram os habituais arrumadores de carros e colocaram em seu lugar voluntários de associações solidárias que ajudam a arrumar carros e a gorjeta que deixam reverte para a associação que representam. Cá esta uma maneira simples, simpática e solidária de ajuda mútua em tempos de crise. 

Mais uma sobrinha

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Passagem rápida por este lugar de partilhas para assinalar o nascimento da minha terceira sobrinha, a Constança. Nasceu ontem, precoce, como parece já ser normal hoje em dia. Que sejam 'ganas de vivir' como dizem nuestros hermanos, que me acolhem no seu país, que tanto gosto. As boa vindas à minha sobrinha Constança, e que estas pressas em nascer se acalmem ao longo da vida, para poder desfrutar do bom que a vida lhe tem para dar. E que o Bom Deus a proteja.

Ir à outra margem

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Não estou em Portugal mas o acontecimento ficou conhecido em todo o mundo: o Papa foi ontem a Lampedusa. E nesta visita, a primeira do pontificado, as imagens e as palavras disseram muito e os símbolos e intenções disseram tudo. Imagens : vemos o Papa próximo das pessoas. Não importa se são legais ou ilegais; são pessoas. Um papa que sobe a um barco de pescadores e, com eles, percorre o mar e atira uma coroa de flores em memória dos que morrem em busca de uma vida melhor. Palavras . Não foram só as imagens que chamaram à atenção. O papa falou aos que ali estavam e ao mundo inteiro. Não mandou recados - não é o seu estilo - não provocou, somente lembrou que os outros não nos podem ser indiferentes. E que se perdeu a experiência das lágrimas, que entrámos num egoísmo atroz, fruto da globalização e da cultura ocidental. O Papa agradeceu ainda a todos os que, naquela ilha, são bons-samaritanos, ajudando e promovendo a dignidade humana. Mesmo sem papéis, ninguém deixa de ser pessoa humana.

Converter lobos

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No evangelho deste domingo, e depois de termos escutado as exigências do discipulado, que inclui a renúncia de bens e de pessoas, vamos ver como foi a primeira experiência missionária dos discípulos de Jesus: Envia-os dois a dois, a todos os lugares onde ele havia de ir. São várias as instruções: manda-os rezar (pedi ao dono da seara que mande trabalhadores), fala-lhes das dificuldades da missão (envio-vos como cordeiros para o meio de lobos), a simplicidade de vida (não leveis nem bolsa nem alforge) e a plena confiança na Providência divina (o trabalhador merece o seu salário). Mas os discípulos, no regresso, só contam a Jesus o extraordinário que conseguiram fazer: Até os demónios nos obedeciam! Às vezes acontece o mesmo connosco, na nossa vida e nas nossas comunidades: só olhamos ao imediato, ao extraordinário, ao que dá visibilidade, aos grandes sucessos. Jesus faz-nos olhar para o quotidiano. Para a persistência e para a fidelidade. Para as pequenas palavras e para os peq

Quando o céu e o mar se tocam

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Estou na praia. Tirei esta semana para, num lugar descansado, poder fazer uma revisão final do Missal da Ordem Dominicana. Aproveito o descanso, a companhia e a praia. Há mais disponibilidade para rezar, fazer as coisas com calma, cozinhar e desfrutar do tempo. Aprende-se a viver com pouco, a dar valor às pessoas mais que às coisas, a estar sensível ao que se vê e ao que se ouve: o rebentar das ondas, o barulho das crianças quando a água lhes toca... Mas bonito bonito é olhar para o horizonte; mais além do imediato. Lá onde não há ondas e, só de quando em vez se vê um barco de pescadores a passar. Lá onde a linha do mar se cruza ou confunde com a linha do céu. E pensar na imensidão e na grandeza de tudo. Diante da natureza o ser humano é muito pequeno. Menos mal que tem inteligência para apreciar, contemplar e aproveitar. E dar graças a Deus por isso. Por haver remansos, trabalho e amigos com quem partilhar a vida. (fotografia: Encontrei esta concha ontem na praia. Quando caminho [n