Porque caminho?
Muitas vezes o meu caminhar tem também um trajecto interior. Os caminhos interiores levam-nos bem mais longe que os números de passos que o telemóvel me indica os os quilómetros expostos nas placas. Quantas decisões tomei a caminhar, quantas pessoas e conversas lembrei enquanto andava, quantas turbulências acalmei no meu interior quer falando com alguém que partilha os meus passos quer falando e andando às voltas comigo próprio. As caminhadas interiores são para mim, não poucas vezes, uma boa terapia.
Caminhar em grupo tem outras nuances. E muitas vezes revelamo-nos enquanto caminhamos. Lembro-me do que o Papa Francisco escreveu na sua primeira encíclica sobre os que acompanham comunidades: que umas vezes vamos à frente para indicar o caminho, outras vamos atrás para ser o apoio dos mais débeis e outras ainda a meio, para sentir o pulsar da comunidade.
Quando vamos em grupo consegue-se perceber com que espírito caminhamos: vemos muita solidariedade, mas também vemos gente que olha pouco para trás ou para o lado. Vemos gente que é capaz de abrandar pela situação de quem fica para trás, mas há ritmos que não querem saber porque “perco o meu ritmo”, porque “quero chegar ao meu destino” por algum motivo que se calhar nem ela própria sabe… pouco indicam o caminho porque quando os outros chegam eles já chegaram e quando os últimos chegam já estão prontos para arrancar. São tão imprevisíveis que acabam por ser previsíveis.
Quando caminhamos vemos gente que não se destaca. Mais à frente ou mais atrás estão sempre por ali, quer porque não conseguem mais quer porque é realmente o melhor lugar para estar; mesmo visualmente é sempre o mais numeroso: canta-se, reza-se, fala-se, os de trás falam com os da frente e os da frente com os de trás e uns ao lado dos outros. Dá gosto estar no meio porque como diz a sabedoria: no meio está a virtude.
E temos os que vão ficando para trás. Alguns porque as circunstâncias pessoas não permitem dar grandes passos e outros, como já disse, porque vão sacrificando o seu passo para não deixar estes últimos ainda mais no fim. Estes últimos, por debilidade e por solidariedade, são a riqueza do grupo. Não se queixam nem questionam, não têm curiosidade com o que se passa mais à frente, com um caminho garantido, que tarde ou cedo será trilhado. Estes, simplesmente andam e vale a pena lembrar o Evangelho que diz: os últimos são os primeiros.
E assim o grupo se compõe e vai andando. E nós também nas linhas deste texto. Caminhar revela ainda outras coisas: revela pessoas que não conhecíamos e aprendemos a conhecer, revela as amizades que sempre tivemos e que se confirmam no caminho, e os passos de uma caminhada tornam-se passos amigos, mesmo que nem sempre acertados.
Encontramos ainda uma outra análise curiosa: a nossa relação com o caminho revela também a nossa relação com a vida. E aqui também há três tipos de pessoas: (1) as demasiado prudentes e previsíveis, que antecipam a novidade ou que se queixam de tudo, (2) as que para elas está sempre tudo bem e (3) as indiferentes. As primeiras são as de olhar crítico: habituadas a comandar e a ter tudo adquirido, com pouco espaço para o inesperado e para as surpresas da vida, carregam consigo o peso do “mas” e do “podia ser melhor”. Mais do que olhar para os outros e para a paisagem da vida, olham para os pés e para o ar… e bem sabemos que os que olham só para o chão só reparam nos buracos e quem só olha para o ar está sempre à espera da nuvem que tapa o sol. Acabam por deixar escapar a beleza que os rodeia e podia fascinar.
Depois temos as que aprenderam a valorizar tudo o que de bom a vida dá e que, como se ouve agora, se a vida te der limões faz limonada. São as pessoas mais positivas que conheço, com quem dá gosto caminhar todos os caminhos exteriores e interiores. Já sofreram e sabem o que é a vida e, sobretudo, aprenderam que o queixume não resolve nem muda a paisagem. E os indiferentes? Que dizer deles? Pouco há a dizer porque pouco vivem, pouco arriscam, pouco se dão.
Porque caminho? Esta pergunta deve ser feita no início, durante e no fim de qualquer caminhada, seja territorial seja existencial. Caminhar faz bem, desfrutar da paisagem faz ainda melhor. Saber trilhar os vários caminhos é sinal de sabedoria e de prudência, sempre com ânimo e de espírito alegre porque, como se diz e bem, muitas vezes é mais importante o que se caminhou do que aonde se chegou.