Uma Igreja sem fariseus

Retomamos os domingos do tempo comum que nos levarão até ao final de Novembro. Tempo comum porque não celebramos nenhum mistério especial da vida de Jesus embora a Eucaristia dominical seja o lugar privilegiado para o encontro com Jesus e com os irmãos na fé. Retomamos então no IX domingo do Tempo Comum, com esta passagem do evangelho de Marcos que nos fala do confronto dos fariseus com Jesus a propósito da instituição mais sagrada para o povo judeu: o sábado. 
Dissemos na quinta-feira passada que o ritmo dos cristãos é a partir do domingo. Apesar de termos o fim de semana o domingo já não faz parte dele. O domingo é o primeiro dia da semana. Amanhã já será segunda-feira. Não há primeira-feira porque ao domingo não há feira. É o dia dos cristãos celebrarem a sua fé na alegria de Cristo ressuscitado. Mas Jesus era judeu e viveu num ambiente judaico. E para os judeus o sábado era uma instituição sagrada. Em dia de sábado ninguém podia trabalhar ou realizar acções de criação, como apanhar espigas para comer quando estavam com fome ou fazer um milagre a quem precisa. Violar o sábado era uma ofensa a Deus. Jesus vem dizer-nos duas coisas muito importantes: as necessidades das pessoas estão acima das leis e não há dias proibidos para fazer o bem. Aliás, a pergunta de Jesus deixa-os sem resposta: então? Fazemos o bem e quebramos a lei ou cumprimos a lei e deixamos de fazer o bem? Pode o bem ser adiado? Então, a primeira lição que Jesus nos dá é a de que no centro está a pessoa e não as leis. Jesus pede ao homem que vá para o meio. Não para o julgar nem para que todos vejam o milagre que vai acontecer, mas para que todos percebam que não há lei nenhuma, civil ou eclesiástica que nos possa impedir de fazer o bem. Jesus não está contra a lei, não é um anárquico ou um desobediente obstinado. Jesus vem simplesmente dizer que a lei deve estar sempre ao serviço da pessoa e da vida, para o bem comum e para a felicidade. Infelizmente nem todas as leis são feitas segundo estes princípios. 
Jesus não pertencia ao meio religioso e sacerdotal do povo de Israel. E não era Jesus que criava os confrontos. Não era provocador. Os fariseus sim, controlavam, andavam atrás, questionavam Jesus e os seus discípulos. Os fariseus, agarrados a leis vazias, que se têm de cumprir porque sim, e Jesus a dizer-nos que o que interessa é ter o coração cheio de Deus. Quando perguntam a Jesus qual é o maior mandamento, Jesus não diz nenhum dos dez em especial, como por exemplo guardar o sábado ou não cobiçar as coisas alheias. Jesus vai responder que o maior mandamento é o amor: amar a Deus e amar o próximo. Talvez por isso Jesus tenha olhado para os fariseus com indignação e tenha ficado triste. Achar que o mais importante da fé é o cumprimento frio e rígido da lei do que o amor, que é o maior mandamento, a lei maior para quem acredita em Deus. 
Os evangelistas quando escreveram os evangelhos não colocaram estes episódios para que se notasse o confronto entre Jesus e os fariseus. Nem para tornar o evangelho mais interessante. Os evangelistas escreveram para públicos concretos, para comunidades cristãs concretas. E porque é que colocavam estes relatos? Por causa da maior tentação e perigo que pode haver na Igreja de Jesus: cristãos com atitudes farisaicas. Cristãos vazios, que acham que agradam a Deus só em cumprir a lei, mesmo sem grande sentido ou até com insensibilidade para com o próximo. Cristãos controladores da vida dos outros, às vezes até acusadores… na Bíblia, no livro do Apocalipse, o acusador tem um nome: é o diabo. O cristão não acusa, não controla, ajuda o seu irmão. Cristãos que por cumprirem escrupulosamente as leis sem mudança de vida, sem amor, acham que estão mais perto e Deus e que ganham mais créditos para o céu. E como é que Jesus olha para estes cristãos? Com indignação e tristeza. “Jesus olhou-os com indignação e entristecido com a dureza dos seus corações”. 
Jesus hoje ensina-nos de uma maneira muito forte que o amor é a plenitude da lei. Jesus ensina-nos que a verdadeira religião aproxima Deus das pessoas e as pessoas a Deus. As pessoas como elas são e não como as leis gostariam que elas fossem. Jesus ensina-nos que não o bem que está ao nosso alcance realizar não se deve adiar porque se é hoje que a pessoa precisa é hoje que tem de ser ajudada. 
Termino com um texto de São Vicente de Paulo, grande amigo dos pobres, que se lê todos os anos na liturgia das horas, que vem muito a propósito do evangelho de hoje: “O serviço dos pobres deve ser preferido a todos os outros e deve ser prestado sem demora. Se durante o tempo de oração, tiverdes de levar um medicamento ou qualquer auxílio a um pobre, ide tranquilamente, oferecendo a Deus essa boa obra como prolongamento da oração. E não tenhais nenhum escrúpulo ou remorso de consciência se, para prestar serviço aos pobres, tivestes de deixar a oração. De facto, não se trata de deixar a Deus, se é por amor de Deus que deixamos a oração: servir um pobre é também servir a Deus”.

 

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