Ser bem falado
Morreu, nesta tarde de domingo, o irmão mais velho da comunidade em que vivo. José de nascimento, Francisco Xavier de religião, mas simplesmente conhecido por frei Xavier. Oitenta e oito anos de idade, sessenta e dois dos quais como dominicano, irmão cooperador, a grande presença no convento de São Domingos. Dizia ele, várias vezes, que para alguém ser bem falado tinha de mudar de terra ou de morrer. E o fr. Xavier, apesar de ter morrido e mudado de terra, justiça lhe seja feita, foi e tem que ser bem falado. E, na sua vida - eu só convivi com ele dezassete anos - viveu para as várias comunidades por onde passou. Nos últimos anos tornei-me mais próximo, em primeiro lugar como prior, onde ele me ia aconselhando nas várias coisas da vida comum, depois como ecónomo e, agora como filho ou pai. Nas várias vezes que o levei ao hospital ou a outras consultas perguntavam-se se era filho e eu respondia que sim; perguntava se era neto e eu dizia que sim; e uma vez, ao rirmos no recreio sobre isto disse-me ele: tem feito por mim o que muitos filhos não teriam feito. Convivi com a força e com a debilidade do fr. Xavier. Nos últimos meses, a idade e a doença foram-no enfraquecendo até ao dia de hoje, em que se entregou a Deus. Há uns anos atrás, uns três ou quatro, ofereceu-me o seu rosário: que ele não usava e que eu podia gostar de o usar. Entrar no quarto dele é ver um exemplo vivo de pobreza e de simplicidade. à sua vida pode bem aplicar-se o que São Paulo diz: fiz-me tudo para todos. Sim, fez tudo o que estava ao seu alcance para bem a comunidade: nós íamos e vínhamos, e ele estava. A gratidão não nos pode fazer esquecer as pequenas reparações que fazia no convento, os jardins sempre num primor, as preparações das refeições quando não havia cozinheira...Sem queixas nem cansaços.
Hoje, dou graças a Deus pela sua vida e pela honra que me deu em termos convivido ao longo destes anos e, de um modo mais próximo, nestes últimos meses: ajudá-lo a vestir-se, levá-lo às consultas, animando-o a que tudo isto iria correr bem. A última vez que falámos foi quando o levei para o hospital: ajudei-o a sair da cama e a vestir-se, fiz-lhe uma sopa que me pediu... estive com ele na consulta que o levou à operação, em que pela úlima vez me perguntaram quem eu era: sou filho, ou neto, o que quiser escrever, respondi eu.
Ao frei Xavier tenho-o como um irmão mais velho, um avô sábio, alguém que me diz hoje: nunca deixes de ajudar quem te pedir ajuda.
Que este meu irmão, tão útil aqui na terra, me seja agora útil no céu. Que o Pai das misericórdias lhe perdoe o que ficou por perdoar e que lhe dê a recompensa do bem que fez. Na balança de Deus pesa sempre mais o bem que fazemos.
E, agora sim frei Xavier, adeus: até Deus.