Cinzas e dor

Na viagem que fiz esta manhã, entre Coimbra e Feirão, o que vi foi desolador. O que poderia ser uma manhã de nevoeiro era um pesado fumo que, nuns lados, já era só o que restava do rescaldo. Ao longo da estrada árvores queimadas e postes caídos. Do pensamento só me saía a expressão “Meu Deus”. Paro em Tondela para fazer umas compras e parece que as pessoas são mudas. Ninguém fala, os ares sombrios, talvez de noites mal dormidas ou de propriedades queimadas. O fumo arde nos olhos e nas gargantas. As faúlhas são impertinentes, condensando-lhe nos sítios onde as chamas ainda moem o pouco que de verde se pode ver. Em Mortágua, aquela serração, que tinha à entrada troncos empilhados, que sempre que passo lá digo: um dia hei-de parar para tirar uma fotografia, não passava hoje de um monte de brasas já em fim de vida.
O sol é só um pequeno círculo laranja, doente, sem beleza nem calor; os pássaros voam, tentando pousar em alguma réstia de verde que não há.
Saio em Castro Daire para vir pela Nacional, sempre rodeado de fumo, mal se consegue ver se também houve desgraça por cá. Até que chego ao Alto de Gosende e a desgraça é também muita. Tudo queimado. Entro em casa e vou à varanda: o Penedo Gordo é só uma silhueta, sem se conseguir saber se está vivo ou se está morto como os outros montes. Assim está o Centro e o Norte do País, em fumo, chamas e cinzas, sem água nem chuva que consiga acalmar a força das chamas e dar tréguas aos que tentam salvar o pouco que têm.
O zibreiro plantado ao pé da igreja agita-se com o fresco que lhe vem da serra e os castanheiros também dançam, como que profetizando ou rezando ao bom Deus que nos mande a chuva desejada. Se vier, sai-se de tudo isto como de um pesadelo, que não pior coisa que viver pesadelos estando acordado.

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