Anno Histórico: Dom Frei Jorge de Santa Luzia

Dom Frei Jorge de Santa Luzia, natural de Aveiro, religioso de São Domingos, primeiro Bispo de Malaca, que governou santamente dez anos, e o Arcebispado de Goa catorze meses, com suas Orações e exercícios afugentou da Diocese de Malaca os dragões chamados ramões, inimigos especiais dos homens, que continuamente matavam muitos e de noite entravam nas casas, de que ficou livre aquele País até ao presente. Por ser Prelado zeloso, intentaram dar-lhe veneno em uma iguaria, que ele por revelação divina conheceu, mas não descobriu os culpados. Com espírito profético avisou ao Governador de Malaca, que se achava desarmado e descuidado dos Achens, por haver pazes com eles, que se preparasse, porque na noite do dia seguinte seria а cidade acometida repentinamente por aqueles fingidos amigos e com muito grande poder. Todos se riram do aviso, só o Governador, que tinha o Bispo por Santo, lhe deu crédito, e se preparou a esperar os Achens, que com efeito chegaram na seguinte noite com uma poderosa armada, a qual, como era esperada, foi rebatida com perda de muitas vidas, e ada maior parte os Achens. Por se achar cansado do muito trabalho e desejar morrer na sua Religião, renunciou ao Bispado e se retirou para o Convento de São Domingos de Goa. Estavam no porto de Malaca dias naus, uma muito velha e outra nova e por mais diligencias que se fizeram para que se embarcasse na nova por melhor e mais segura, não se pôde conseguir que deixasse de se embarcar, como embarcou, na nau velha, que todos avaliavam por muito perigosa; e o servo de Deus com lume profético por mais segura. Assim о mostrou o sucesso, porque a nau nova se submergiu no mar com toda a gente e a carga que levava e a velha chegou com próspera viagem a Baçaim. Com о mesmo dom profético aconselhou e persuadiu ao grande Vice-Rei e Capitão General Dom Luiz de Ataíde, que se achava soçobrado e inquieto com o cerco, que o Idalcão e outros Reis coligados tinham posto à Cidade de Goa, que saísse dela com todo o poder que tinha, e fosse acometer o grande Exército contrário no sítio e passo que divide a ilha da terra firme; porque sem dúvida se havia de recolher com glorioso triunfo. Só com este voto, contra os de todos (que diziam ser temeridade de expor ао sucesso de uma batalha, na qual se se perdesse, se perdia de uma vez toda a Índia), se animou aquele valeroso Capitão com a persuasão lhe fazia o servo de Deus, saiu pelejou, venceu e conseguiu uma das maiores batalhas que o braço Português ganhou na Índia, de que no seu dia daremos maior notícia.
Foi grande benfeitor da sua Religião. Fundou e dotou o Convento de Almada, da sua mesma Ordem e sem querer o título de seu fundador, o deu a seu grande amigo o Padre Mestre Frei Francisco Foreiro; porque deste mundo estimava mais a amizade que a vaidade, e só de Deus queria a remuneração, viveu até ao fim da vida em santa pobreza e faleceu neste dia do ano de 1579.
(Anno Histórico, vol. I, par. VI, p. 119-120)

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