O que nos pode ensinar São Tomás de Aquino

A Igreja lembra hoje e dos dominicanos celebram com festa e júbilo a figura incontornável de São Tomás de Aquino (Roccasecca 1225-Fossanova 1274). É mesmo incontornável.
Mas confesso que só recentemente entrou nas minhas devoções. Quando entrei na Ordem, São Tomás era falado em qualquer círculo, para trás e para a frente e quem não conhecesse São Tomás ou não lhe tivesse devoção nunca seria um bom dominicano. A coisa andava sempre pelo "segundo São Tomás", "de acordo com São Tomás", "São Tomás escreveu"... às vezes apetecia pôr os reverendos tomistas à prova perguntando onde é que São Tomás tinha escrito ou onde é que ele tinha dito.
As aulas de filosofia medieval não ajudaram e talvez a minha idade não conseguisse alcançar o seu pensamento. Digo isto sem nenhum escárnio ou desmérito dos frades tomistas mas a nós, mais novos, passavam-nos o certificado de ignorância. Por isso virei-me mais para Santo Alberto Magno, seu mestre, e de entre os grandes santos intelectuais da Ordem o mais discreto, e para os santos "mais simples": Beato Manés, São Martinho de Lima, São João Macias... Aos poucos foi-se fazendo luz, perdi o medo e atirei-me a São Tomás de Aquino. O impulso foi-me dado por um padre que me ofereceu um precioso livro sobre a espiritualidade em São Tomás. Li-o e gostei do que li. E, aos poucos, timidamente, fui lendo a Summa Teológica, não como os ancestrais dominicanos que quase a substituíam pela Bíblia, mas como uma criança curiosa com medo de abrir uma caixa proibida. Outra ajuda foi a do saudoso fr. Mateus Peres, esse sim humilde especialista em São Tomás de Aquino, a quem, várias vezes, pedi que desse um curso aos noviços sobre São Tomás de Aquino. Aproveitaram eles e aproveitei eu. E entrei ainda mais e comecei a citar São Tomás nas aulas e conferências. Longe de ser especialista ou de dormir com a Summa na mesinha de cabeceira, gosto de ir ler o São Tomás escreve sobre alguns temas ou, quando aparece uma citação, gosto de a ler no contexto.
Mas, olhando para São Tomás, o sol de Aquino ou Doutor Angélico, como também o chamam, o que é que ele nos pode ensinar? Falo a partir do que me fez aproximar dele.
São Tomás ensina-nos a humildade. A grandeza com que falavam dele nos meus primeiros anos na Ordem não coincidia com a humildade de São Tomás; creio até coraria com tanta exaltação e enlevo. São Tomás escreveu: "A humildade torna a pessoa capaz de Deus". Vêem a humildade desta frase que só manifesta a sua atitude de vida? Humildade em aprender, humildade em investigar, humildade em ensinar, humildade a rezar. São Tomás é este irmão humilde e discreto, que coloca toda a sua inteligência na ciência de Deus (teologia) e ao serviço da Igreja.
São Tomás de Aquino ensina-nos a clareza. Ao lermos os seus escritos tudo é claro: é claro nas ideias, é claro nos argumentos, é claro na explicação. Isto manifesta não só a sua raríssima inteligência e o seu método de estudo e investigação, mas também que os seus escritos mais do que o resultado do seu amor aos livros o seu grande amor era o próprio Deus que quis conhecer, amar e servir. Por isso vai ele escrever: "É melhor amar a Deus do que conhecê-lo". Sim, e os seus escritos, o seu desgaste, os seus sucessivos chamamentos por parte da Igreja são sinal eloquente do seu grande amor a Deus. Amor a Deus e amor ao próximo porque ainda hoje, quem se aproxima dos textos de São Tomás de Aquino beneficia do que ele estudou e contemplou.
São Tomás ensina-nos a ver a bondade de Deus no mundo. Escreveu São Tomás: "É a bondade de Deus que infunde e cria a bondade nas coisas". Se já vivíamos tempos difíceis de falta de solidariedade, de individualismos e consumismos desenfreados, temos sentido no nosso corpo os efeitos de um vírus que teima em nos fazer mal. Mortes e aflições, confinamentos e medos, distanciamentos e desgaste emocional fazem-nos tocar o mal. Experimentamos o mal físico e o mal psicológico. As contínuas faltas de respeito sobre as indicações que nos são dadas para o nosso bem continua a expor o nosso egoísmo; o ter de fechar o país prejudicando assim a economia nacional manifesta o nosso consumismo quase instintivo; a falta de prevenção pessoal e social trouxe-nos o cansaço psicológico com todas as repercussões que acabam por afectar quem mais gostamos. É o que vemos e o que sentimos. Mas São Tomás lembra-nos: tudo o que foi criado por Deus é bom e nós devemos ser bons uns para os outros e para com o Universo porque Deus infundiu em nós chamas de bondade. O mal que existe no mundo, a sua ininterrupção são consequências da nossa falta de amor de Deus. Então, São Tomás desafia-nos a recuperar a bondade que temos em nós. Que a recuperemos e que aqueçamos o mundo com ela. O mal do mundo não é consequência da bondade de Deus mas sim da nossa falta de amor para com Deus e para com os outros.
São Tomás ensina muito mais coisas mas, para este dia, fico-me com estas. E não tenha medo de ler São Tomás. Vai ver que vale a pena.

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