Sobre a comunhão espiritual

1. Sobre este importante tema que é o da comunhão espiritual, começo pro me valer de um pequenino livro que herdei, datado de 1826, que tem o título "Visitas ao Santíssimo Sacramento e a Maria Santíssima para todos os dias do mês". No início do livro, mesmo antes das ditas "práticas", há uma "Advertência ao leitor". E adverte-o assim: "Como no fim de cada uma das seguintes visitas ao Santíssimo Sacramento se persuade a Comunhão Espiritual, é justo explicar aqui no que ela consiste, que alcança quem pratica tão louvável exercício.
A Comunhão Espiritual, conforme São Tomás, consiste num desejo ardente de receber a Jesus Sacramentado, e num abraço amoroso, como se já o houvéssemos recebido. Quanto estas Comunhões Espirituais sejam agradáveis a Deus, e quantas graças por este meio ele comunica às almas fervorosas, o mesmo Senhor o deu a entender àquela sua serva Soror Paula Maresca, Fundadora do Mosteiro de Santa Catarina de Sena em Nápoles, quando lhe fez ver (como se refere na sua vida) dois vasos preciosos, um de ouro e outro de prata, e lhe disse que no de ouro conservava ele as Suas Comunhões Sacramentais e no de prata as suas Comunhões espirituais.
Este exercício não só é autorizado pelo uso de todas as almas devotas que o praticam, senão que os Doutores Místicos o louvam e inculcam muito, e exortam aos Fiéis o seu uso. Sendo esta devoção tão útil, não há nenhuma que menos custe: Por isso dizia a Beata Joana da Cruz, que a Comunhão Espiritual se pode fazer sem que ninguém nos veja, sem ser preciso estar em jejum, e que podemos fazê-la a qualquer hora, porque não consiste mais que num acto de amor. Basta dizer de todo o coração: Meu Jesus, creio que vós estais no Santíssimo Sacramento. Amo-vos sobre todas as coisas e desejo receber-vos agora dentro da minha alma. Já que não posso, vinde ao menos espiritualmente ao meu coração. E como vos tivera já recebido, eu vos abraço e me uno todo a vós. Ah!, Senhor, não permitais que eu jamais de vós me aparte. Ou mais breve: Creio, meu Jesus, que estais no Santíssimo Sacramento. Amo-vos e desejo muito receber-vos. Vinde ao meu coração. Eu vos abraço, não vos ausenteis de mim
".

2. Limpando o excesso de devoção do século XIX, mas respeitando quem ainda o conserva, esta advertência é-nos útil para a vida espiritual e, sobretudo, para estes tempos de pandemia, que nos impedem de receber Jesus sacramentalmente. Diz-nos três coisas: que a comunhão espiritual é muito agradável a Deus, faz-nos bem a nós e oferece-nos a oração da comunhão espiritual.
Vale a pena ir a São Tomás de Aquino que, ao escrever sobre o sacramento da Eucaristia, fala da comunhão espiritual. A questão é saber se existe só uma maneira de receber o corpo de Cristo. São Tomás vai dizer que há duas maneiras de o receber: sacramentalmente e espiritualmente. E São Tomás responde, fazendo a distinção entre o sacramento (a comunhão) e o seu efeito. E diz que a maneira mais perfeita de participar na Eucaristia é comungando sacramentalmente, para poder beneficiar do seu efeito. No entanto, acrescenta São Tomás, na comunhão sacramental recebe-se o sacramento sem o seu efeito e a na comunhão espiritual participa-se do seu efeito, porque se une a Cristo espiritualmente, pela fé e caridade. Ou seja, no entendimento de São Tomás de Aquino, pode haver comunhão sacramental sem comunhão espiritual (sem beneficiar do efeito) e na comunhão espiritual, mesmo não podendo receber Cristo sacramentalmente, quem a faz recebe o seu efeito. O ideal é que a comunhão sacramental esteja sempre acompanhado da comunhão espiritual (o desejo de comungar) e quem quem tem o desejo de comungar tem a garantia da união a Cristo. É o desejo que que faz com que recebamos o efeito da comunhão. Comunga espiritualmente quem deseja receber o sacramento (como o baptismo de desejo). Extraordinário!
E antes de continuar, um apontamento sobre a Madre Paula Maresca, cuja biografia se encontra também num livro antigo dominicano, que lhe dedica quase 30 colunas, falando da sua vida, provações e consolações como religiosa. Nasceu em Nápoles em Março de 1583. Educada pelos seus pais, foi sempre muito atenta aos mais pobres, virtude que a acompanhou toda a vida. Casou e enviuvou cedo, teve três filhos, morrendo-lhe dois e ficando uma que, mais tarde será monja como a mãe. Tendo enviuvado decide fazer parte da Ordem Terceira de São Domingos. Mas sentiu dentro de si que Jesus lhe pedia mais. Com o assentimento do seu confessor (naquele tempo eram mesmo directores espirituais) decide avançar com a fundação de um mosteiro de monjas, que levará o nome de Santa Catarina de Sena, de quem tinha grande devoção. Este mosteiro foi fundado em 8 de Dezembro de 1615, tinha ela 32 anos. A sua vida fica marcada pela humildade, pobreza, obediência e caridade. Também tinha especial devoção pelas almas do purgatório e pele Eucaristia, e aqui entronca a visão que teve de Jesus Cristo, que transcrevo: "Já dissemos que o Angélico Doutor São Tomás e São Jacinto lhe davam a comunhão quando estava doente e faltava o confessor. Passou este favor, dos Santos aos Anjos: e o que mais é ao mesmo Santo dos Santos e Senhor dos Anjos: o qual com as suas sacratíssimas mãos, lhe deu uma vez seu corpo e sangue sacramentado. Conhecendo Sor Paula que murmuravam das suas comunhões quotidianas, pediu ao Espírito que lhe manifestasse se lhe agradava esta continuação. Apareceu-lhe o Senhor e mostrou-lhe dois vasos, um de ouro e outro de prata, e disse-lhe: Neste vaso de ouro conservo as tuas comunhões sacramentais; neste de prata guardo as espirituais, com que me desejas receber todas as horas. Era tal o fervor e devoção com que chegava a esta soberana mesa, que da boca lhe saía fogo e o rosto cintilava resplendores".
Sor Paula Maresca, que ficou conhecida na Ordem como Sor Paula de Santa Teresa, morreu com fama de santidade a 7 de Janeiro de 1657.

3. No domingo passado desabafava comigo uma senhora por não poder comungar: tiraram-nos o mais importante. Tem razão esta senhora. Infelizmente os nossos maus comportamentos, o nosso relaxamento em relação ao contagio do coronavírus, pensando que estava tudo controlado e que só acontecia aos outros, tivemos de voltar para casa. Privados das celebrações e da comunhão sacramental não ficamos privados de Deus nem de o desejar espiritualmente, impedidos de o receber sacramentalmente. Fecha-se a igreja, a casa da comunidade reunida mas abrem-se as igrejas domésticas, na casa de cada crente.
Que o jejum da comunhão sacramental aumente em nós o desejo de receber Jesus, que se adquire pela comunhão espiritual, nos torne solidários com tantas pessoas e comunidades privadas da celebração da Eucaristia não por causa da pandemia mas por falta de padres ou já incapacidade de se deslocar à igreja. Mas, sobretudo, que este jejum nos faça valer de outros meios e práticos que não substituem a Eucaristia mas fortalecem a nossa relação com Deus.

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