Dos Ramos à Paixão

Começamos hoje a Semana Santa. A semana em que celebraremos de modo sacramental o que aconteceu realmente há 2000 anos. Não vamos ao passado, mas trazemos o passado para o presente porque o que aconteceu lá atrás continua vivo hoje em cada um de nós. Este domingo chama-se de Ramos na Paixão do Senhor. 
Domingo de Ramos. Quando lemos a vida de Jesus narrada nos Evangelhos vemo-lo sempre a andar a pé ou de barco. Mas hoje Jesus pede aos discípulos que procurem um jumentinho para ele entrar em Jerusalém. A imagem é toda ela messiânica, ou seja, a da entrada do Messias na Cidade Santa. Porém, Jesus não escolhe o cavalo nem faz alarido com a sua entrada em Jerusalém. Jesus nunca se apresenta no espectáculo e na atitude superior mas sempre na humildade. É a multidão dos simples, dos que esperavam a libertação que mostram Jesus: arrancam ramos das árvores, colocam as suas capas no chão para Jesus passar e gritam hossanas (liberta-nos, salva-nos). 
E é domingo da paixão. Porque sabemos que esta entrada em Jerusalém será para sofrer, morrer e ressuscitar. Destaco apenas e brevemente três atitudes da leitura da paixão. 
Em primeiro lugar a de Jesus. A sua humildade e o seu silêncio. Jesus, diante das injustiças, das traições, da prisão, da violência não reclama, não resiste. Desde que é preso e até à sua morte só fala três vezes: duas para confirmar a sua identidade: responde ao sumo sacerdote para lhe dizer que sim, que é o Messias, Filho do Deus Bendito e a Pilatos, para lhe confirmar que sim, que é o Rei dos judeus. E depois volta a falar na cruz, com Deus, rezando o salmo 21, o mesmo que hoje cantámos como salmo responsorial: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste”. E lanço a pergunta: que fazemos do nosso sofrimento, seja ele de angústia, de saúde, de incompreensão, de injustiça? Queixamo-nos, exibimos ou, como Jesus, acolhemos, aceitamos e confiamo-nos a Deus? 
Depois encontramos no relato da paixão a maldade. Jesus sofreu no seu corpo, na sua pele, os piores sentimentos que o ser humano pode sentir: o abandono dos amigos, a traição dos seus companheiros mais próximos, ouviu mentiras sobre si, sentiu o desprezo e a violência dos soldados que lhe batiam, cuspiam, maltratavam… se achamos injusto o que fizeram a Jesus deveríamos também achar injusto quando o fazemos às pessoas que nos rodeiam… quando traímos uma amizade ou um relação, quando dizemos mal e acrescentamos fel e vinagre às nossas palavras e às nossas mentiras, quando deliberadamente deixamos Deus para trás… Jesus continua hoje a sentir o desprezo aos que lhe são próximos… dos inimigos, dos que não gostam de nós, não nos admiramos que nos queiram mal e até que nos maltratem… mas de um amigo, de um irmão, de um companheiro? E lanço a pergunta: como é que vamos viver a Semana Santa? Vamos virar as costas? Vamos desertar? Vamos ser como Pedro ou Judas? vamos ser como o discípulo amado e como as mulheres que não abandonaram Jesus? 
Finalmente, gostava de salientar o bem que é feito a Jesus durante toda esta narração da Paixão. Que começa com este gesto desta mulher que rompendo as normas e o que é que os outros iriam pensar e julgar, derrama um perfume caríssimo sobre a cabeça de Jesus. Que continua em Simão de Cirene, que leva a cruz de Jesus, que passa ainda por José de Arimateia que, corajosamente, vai pedir a Pilatos o corpo morto de Jesus, para lhe dar sepultura. E termina naquelas mulheres, também elas corajosas que não desistiram de acompanhar Jesus, que ficam a ver onde Jesus é sepultado e que depois, na manhã de Páscoa serão as primeiras a testemunhar a alegria de Cristo Ressuscitado. E aqui não lanço a pergunta, mas afirmo: como a mulher do perfume, nunca deixemos de fazer o que o coração nos pede; como Simão de Cirene, nunca deixemos de ajudar a levar a cruz de quem mais precisa, como José de Arimateia tenhamos a coragem de nos afirmarmos como discípulos de Cristo, e como as mulheres nunca desistamos daquilo que às vezes parece estar já condenado e sem remédio. 
É domingo de Ramos. O Ramo que temos nas nossas mãos lembram-nos que somos cristãos e que, se não vivermos unidos a Cristo morreremos, como estes ramos, que foram separados do tronco. É Domingo da Paixão. Que esta Semana Santa que agora iniciamos nos ajude a receber o profundo amor de Jesus por cada um de nós, que ela nos torne seus verdadeiros discípulos e que este amor que aprendemos da cruz seja um amor partilhado com os que neste mundo sofrem injustiças, incompreensões e sofrimentos. E não esqueçamos: a vida não acaba no túmulo; a vida continua e será sempre eterna, com Jesus, com Deus.

 

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