Um travão

Este ano não vou poder ir a Feirão. Deve ser a primeira vez desde que existo. Ficarei por Lisboa todo o Verão para organizar e por em andamento tudo o que tenho na cabeça. Mas muitas vezes, ao longo do ano vou até Feirão, aquela aldeia serrana, onde passava os meses das férias. Digo que vou lá mas só pela memória. A memória leva-nos às viagens mais fascinantes, aos acontecimentos mais marcantes como se fosse hoje. E nem é preciso fechar os olhos para ver a fonte da igreja ou o caminho de sombras que ligam as duas aldeias ou ainda aquela curva manhosa, a subir, que nos faz entrar na povoação. Curva essa que guarda uma história da minha vida que, por pouco não acabava em tragédia. Umas das nossas brincadeiras em Feirão (quando digo nossas junto-me aos meus três tios mais novos, próximos da minha idade e de alguns primos afastados, porque nas aldeias há sempre parentesco, quanto mais não seja a frase "tu ainda és meu primo"), era a de apanharmos boleia dos carros de vacas quando eles iam para os campos buscar o trigo ou as batatas. Era muito engraçado: sentavamo-nos nos carros, íamos neles uma certa distância e depois regressávamos a pé. E era uma alegria. Muitas vezes as vacas sabiam o caminho e lá iam sozinhas, sem serem tocadas (animadas, conduzidas). Os lavradores iam atrás, paravam às vezes para uma conversa e elas lá iam. Ora, numa dessas idas, metemo-nos no carro das vacas e a animação foi tal que as vacas assustaram-se e começaram a correr. Ninguém as parava. E, naquela curva tão íngreme, que se se fosse a direito caíriamos num precipício, apareceu uma rapariga mais velha que nós, a Adília, e consegue parar as vacas e salvar-nos a vida. A mim ficou-me sempre marcado este episódio. E sinto que às vezes é preciso uma mão forte, um travão, que pare a violência que nos ataca.
Nas férias, quase sempre se lembra este episódio. Hoje rimo-nos mas na altura chorámos.

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