A primeira carta

Chega o dia de publicar a primeira carta a um noviço, do fr. Jerónimo Savonarola. Publico-a hoje, como que terminando um processo, ligeiro mas profundo e sério, de discernimento de dois pré-noviços. Terminaram hoje a terceira "experiência comunitária". Durante esta semana foram avaliados pela comunidade, fizeram o exame de admissão ao noviciado, pediram formalmente ao Provincial para os admitir, e hoje, depois de todas as confirmações e aceitações, foram inscritos no livro das admissões.
É mais que um pro forma, é uma tomada de consciência do que significa ir-se dando, a Deus e aos imãos.
Caro leitor, reze por eles. Chamam-se José Alberto e José Manuel. E peça para que Deus os confirme, em cada dia, no sim que vão dizendo.


A frei Estêvão de Codiponti
«A paz de Deus, que ultrapassa toda a inteligência, guarde o vosso coração em Cristo Jesus» (Fil 4, 7), queridíssimo irmão. A pressão de muitos compromissos impediram-me de satisfazer antes o te pedido. Porque, nem descuidando-me de vez em quando comigo próprio, consigo cumprir o que penso e quero. No entanto, pressionado pela tua caridade e pelo teu zelo, vejo-me obrigado a recomendar-te que continues na vocação a que foste chamado.

Recorda isto: no céu só estão os bons; no inferno os maus, mas neste mundo estão juntos os bons e os maus. É por isso que muitos querem viver no bem, mas sem se submeter às pessoas mais velhas, procuram o que é impossível neste mundo. Pretendem viver com os santos e excluir todos os maus e imperfeitos. Como não encontram isto, abandonam a sua vocação e dedicam-se a vagabundear. Enganados pelo demónio, caem no erro e no pecado; e não voltarão ao caminho recto da sabedoria.
Meu filho: viver bem consiste em fazer o bem, suportar o mal e assim perseverar até à morte. Quem poderia viver mal entre os santos a não ser o perverso ou quem está totalmente privado da graça de Deus? Não há muito mérito em viver entre os bons. Não digo porque sejam maus aqueles com quem estás, pelo contrário, são bons, mesmo que algum seja imperfeito; senão para que que queres converter uma palha numa trave?
Certamente que teremos de fugir dos maus e dos perversos; porque «com o santo serás santo, com os escolhidos escolhido, enquanto o perverso te perverterá», (Sl 17, 26).
Mas para evitar todos os maus teríamos de sair deste mundo. É certo, saíste deste mundo e pensavas que entravas imediatamente no paraíso. Mas não. Entraste na antecâmara do paraíso, ainda não no paraíso. No mundo vive-se entre escorpiões, no convento vives entre perfeitos, entre hábeis e entre imperfeitos; mas não entre malvados.
Podes encontrar-te com algum falso frade, não te surpreendas; mais depressa te deverias surpreender do contrário. Na realidade ímpios, perseguidores dos bons também se encontram na casa de Abraão, na de Isaac, na de Jacob, na de Moisés, de David e também na de nosso Senhor Jesus Cristo. Como podes pensar que exista neste mundo uma casa sem maus?
Enganas-te, irmão, enganas-te. É uma grande tentação preparada com astúcia pelo diabo. Portanto: «procura a paz, persegue-a», «caminha diante do Senhor», «humilha-te sob a mão poderosa de Deus», «trata de colher a rosa entre os espinhos», «estima o outro mais que a ti próprio». Quando vires alguma coisa de que não gostes, pensa que se fez com boa intenção: muitos são melhores interiormente o que o que parecem.
Acalma-te, portanto, meu irmão, acalma-te; exercita-te na humildade, na submissão, na obediência; reza ininterruptamente, tem consciência que o Senhor vive na paz. Reza por mim e saúda o teu Mestre e os teus confrades. Saúde.

Florença, 12 de Maio de 1492
fr. Jerónimo Savonarola, op

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