A pequena Helena

Dois dias fora de Luanda para visitar o novo projecto dos dominicanos no Huambo. Como os dias são poucos e grandes as distâncias (de carro, entre Luanda ao Huambo, 12 horas!) tive que ir de avião (1 hora). Do aeroporto directamente ao mosteiro das minhas queridas irmãs monjas, no Kuito, antigo Porto Amélia. Uma calorosa recepção, uma vez que tinham passado já dois anos desde a primeira e única visita. Lá fiquei todo o dia de segunda-feira, onde tive dois encontros com as irmãs, um ligado aos critérios de admissão das vocações e outro sobre os 800 anos da fundação do primeiro convento em Portugal. Celebrámos Missa, onde falei às irmãs da força do Espírito Santo que ultrapassa os nossos limites e as nossas previsões, da importância de afinar o nosso ouvido à voz do Bom Pastor, e um pedido de oração pela nossa Ordem.
Ontem, depois da Missa e do pequeno almoço, as irmãs convidaram-me a entrar na quinta do mosteiro. Um verdadeiro milagre! O que semeiam e plantam, o que colhem... Deram-me a comer um verdadeiro abacate e maracujá para o caminho. Infelizmente mangas já não há nesta época. O sabor não se compara com a fruta da Europa.
Feitas as despedidas, quando vinha já a sair, as irmãs despediram-se com um cântico e duas ofertas: um bolo para a comunidade do Huambo é uma estola dominicana para estrear no dia de São Domingos. Estreei-a logo para que as irmãs pudessem ver como me ficava.
Feitas então as despedidas, regresso ao Huambo (Nova Lisboa), mais propriamente na Cahala, para ver a nova comunidade e o novo projecto do nosso Vicariato. De facto, um pouco mais de cinco hectares de construção, onde irão caber o convento, a igreja, uma escola e ainda uma fazenda. O espaço é airoso, no que para nós, portugueses, poderíamos dizer que é um descampado. Mas a 800 metros de distância de uma centralidade (bairro), tem tudo para dar certo. Começaram a vedar o muro, fiz fotografias e, agora, é só construir com qualquer ajuda que possa vir.
Depois de visitado o terreno, visita à cidade com passagem obrigatória à Senhora do Monte, belo santuário arquidiocesano, onde na frescura do monte e no alto da capela, se sente umas vozes que faziam a Via-Sacra e cantavam em Umbundo.
É o de estão os frades? Numa pequena e modesta casa, no meio de um bairro de gente pobre, onde a estrada já é de terra batida. Estão dois, que vivem modestamente, onde não há água apesar de haver canalização, e onde o carvão muitas vezes é a alternativa ao gás. Verdadeiros heróis, ou talvez não, mas são porque obedeceram ao pedido e sacrificaram os seus projectos para este, complicado, pesado e árduo.
O título deste post é a pequena Helena, que é uma menina que não terá dois anos, ou se os tiver, não terá muito mais, que enquanto a mãe escolhia o milho, ela me olhou atentamente e começou a sorrir. Talvez por nunca ter visto um branco, comentaram.
O que se sente ao ver tudo isto não cabe num post nem pode ser descrito com leveza. Um povo que sofre, certamente, mas um povo tão feliz, que não desiste de sorrir. As crianças que vemos, umas a cuidar do gado, outras a ir ou a vir da escola, com a cadeira de plástico à cabeça, quilómetros a pé, mulheres com alguidares de fruta e legumes à cabeça e com filhos às costas, outras à beira do caminho a vender o pouco que têm, entre batata, mandioca, tomate ou mel... À espera de um carro que passe e que fique com a mercadoria em troca de não muitos kuanzas... Uma das crianças, ao ver-nos passar, disse-nos: senhor, a fome é demais, ajuda. E era uma criança como tantas outras crianças que, apesar dos pesares, sorri, diz adeus e agradece a boa tarde que lhe desejamos, mesmo se não temos nada para lhe dar.
Isto é a Angola que vejo porque a outra... a televisão exibe.
Em atalho de foice, porque já tinha programado falar de Adília Lopes, a propósito do seu último livro de poesias, não sendo seu admirador nem frutuoso leitor, deixo um poema que ela escreveu e a que deu o título de: A prima pobre, que pode ilustrar, ou não, uma verdade sobre os pobres: "A família vivia à custa da prima pobre. / Todos roubavam a prima pobre. / É assim: A pobreza é muito rica, / a pobreza é riqueza, / as almas caridosas que o digam."

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