fr. José Maria Ribeiro, op (1939-2018)

Partiu ontem, para junto de Deus, assim nos faz crer a fé, o frei José Maria Ribeiro, que nasceu em São João da Ribeira, no dia 21 de Novembro de 1939. Não foi fácil a sua infância e juventude. Nasceu anão, diferente das outras crianças, o que para uns causaria pena e a outros alguma graça. Mas, apesar da diferença nunca quis ser diferente. Fez tudo como os outros, como sempre recordava. Sei também que a sua catequista era também anã, porque a encontrei uma vez e falou-me dele e depois, ele de ela, com carinho.
Como o frei José Maria tinha uma grande memória e muitas memórias, vou tentar aqui deixar algumas, contadas por ele, e outras que nós lembramos. [Quando há uns anos morreu uma senhora muito ligada a nós, dominicanos, e eu contei algumas histórias, ele pediu para eu as por por escrito para não entrarem no esquecimento. Não o fiz, mas hoje faço-o para que não se perca uma vida tão simples, humilde e dominicana.] Ainda criança veio a Lisboa com o pai. Dizia que o primeiro sítio onde o pai o levou foi à igreja de São Domingos, na Baixa. Se alguém comentava com ele que tinha ido visitar a igreja dizia sempre: foi o primeiro sítio onde o meu pai me levou, quando vim a primeira vez a Lisboa.
Entrou já tarde na Ordem. E a sua entrada não foi fácil. Foi rejeitado uma primeira vez, talvez pela baixa estatura, dizendo quem o recebeu que não, que não podia entrar. Triste e inconformado escreveu ao Padre Pio. E recebeu uma resposta simples: tenha esperança e confie em Deus. E, dizia ele (poucas vezes porque não gostava de contar este episódio), dez dias depois disseram-me de Fátima que se quisesse podia entrar.
Fez o seu noviciado em 1975. Foi o Padre Mestre o fr. Miguel dos Santos. Professou em Fátima a 26 de Setembro de 1973, onde ficou alguns anos. Professou como irmão cooperador, ou seja, não padre. Sempre por causa da sua baixa estatura. Mas mesmo pequeno e não padre cumpriu a sua vocação e missão. O seu grande serviço nos três conventos por onde passou (Fátima, Porto e Lisboa) foi na portaria. E a portaria é a cara do convento. Abrir a porta, atender telefonemas e pessoas, ouvi-las, aconselhá-las... É deste tempo a sua ida a Ávila, terras de Santa Teresa, que tanto admirava, à boleia. De bengala na mão lá foi ele, de carro em carro até Ávila. De Fátima foi assignado ao Porto. Também aí o mesmo apostolado, a mesma simplicidade, os mesmos contactos, a mesma bengala que um dia serviu para dar nas costas de um ladrão que apanhou a assaltar a caixa das esmolas do convento. A bengala do frei José Maria era como que uma extensão dos seus braços. Onde a mão não chegasse, com a ajuda da bengala a coisa era mais fácil. Ajudou também no cartório da paróquia do Porto, com assentos e formulários, com alegria e letra bonita.
Com a idade a pesar e com as dificuldades de subir e descer escadas, pediu para vir para o convento de Lisboa, onde poderia movimentar-se melhor e ter as coisas mais facilitadas. Então, poucos meses depois da abertura do convento, com quarto adaptado à sua altura, o frei José Maria vem para Lisboa, onde ficou até morrer.
Conheci-o não no primeiro dia em que vim ao convento (Novembro de 1997) mas sim no início de Fevereiro de 1998. Tinha eu um encontro marcado com o responsável dos postulantes eu postulava ser dominicano. Toquei à porta, tive de esperar pelo frade responsável e entabulámos conversa sobre mim e sobre ele.
No convento de Lisboa o grande apostolado do fr. José Maria foi, para os de dentro, o apostolado da presença. Gostava dos irmãos e de estar com eles. Raramente faltava a um ofício e se faltava era mau sinal. Até ao fim. Na passada quarta-feira, já se sentindo mal, foi à missa, às 8 horas, onde teve o princípio do AVC. O frei José Maria estava. Se saíamos, ele estava; se regressávamos, ele estava. Se íamos de passeio ou de férias, ele ficava; quando regressávamos do passeio, ele estava e perguntava coisas... mas para fora o fr. José Maria teve também um grande apostolado: o da escuta. Engraçado que nós, dominicanos, no nosso último capítulo geral falámos da importância do apostolado da escuta. E, por telefone ou recebendo pessoas, atento à vida e às circunstâncias das pessoas, ouvia muito e falava pouco. Às vezes o telefone irritava... mas, não por ter morrido mas porque a verdade está acima dos nossos sentimentos, ele fazia a sua pastoral. Nos aniversários ligava às pessoas, se não tinha o número ou outro contacto mandava saudações. E as orações de Taizé. Grande apostolado junto dos jovens. Gostava de Taizé, dos cânticos de Taizé, das meditações de Taizé... e de há muitos anos que na primeira quarta-feira do mês ali estava ele, para rezar com quem rezava e fazer a sua pregação, sempre simples, humilde e prática.
Há dois anos começou o noviciado em Lisboa. O fr. José Maria também aqui, sem nomeações nem imposições foi um bom mestre. Não faltava às orações dos noviços e alertava os irmãos para a importância de os acompanhar. E os noviços viam nele um “pai grande”. Histórias, conselhos, sempre bom humor, os ia também formando na vida e espiritualidade dominicana.
Muito mais haveria a contar e a dizer e eu ainda quero acrescentar mais dois aspectos. O primeiro é o do estudo. O fr. José Maria era um bom curioso. São Tomás de Aquino dizia que a má curiosidade no estudo se compara a uma borboleta: a saltitar de livro em livro. A boa curiosidade é a que. Os leva a aprofundar e a ter o gosto de saber. O fr. José gostava de ler e de ouvir música. Ler livros de espiritualidade e ouvir música de Taizé ou clássica. Há cerca de dois anos começou a ouvir rádio... talvez para se manter informado. Sabia passagens de cor, ia aprofundar algum tema que tinha ouvido falar por alto... sempre actualizado.
O outro foi o seu interesse e permanente e constante pelo diálogo ecuménico. Não havia semana de oração pela unidade dos cristãos que ele não pedisse os textos... das poucas vezes que rezava alto nas orações era para pedir pela unidade dos cristãos.
E, como digo, muito mais há a dizer e o que escrevi foi o que me foi saindo.
Fica a saudade de um frade dominicano, singular, humilde, simples, prático, descomplicado, sempre bem disposto e com um a palavra amiga para dar, presente, humano, espiritual, um homem de Deus.
Ontem escrevia aos noviços dos anos anteriores sobre o frei José Maria. E disse-lhes: perfeito? Não. Um santo? Sim. Deus colocou no coração do fr. José Maria centelhas de santidade. Que o “Pai Santo” que tanto invocou ao longo da vida o recompense agora do bem que fez e o acolha no banquete, reservado para aqueles que o amam.
O convento de Lisboa não será o mesmo sem o fr. José Maria. Mais cedo ou mais tarde teria de partir. Mas fica a memória e a recordação de um homem bom, que amou muito a Deus e serviu os irmãos. Que descanse em paz.

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