Questões vitais

Ontem, num hospital de Roma, houve um encontro teológico-filosófico sobre a questão da eutanásia. Pena tenho eu que, na Igreja Católica, não poucas vezes, resumamos as questões da vida ao aborto e à eutanásia. Todos os cristãos devíamos reflectir, muito e profundamente as palavras de Jesus "Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância". Mas achei interessante, num hospital, haver um encontro sobre a eutanásia, não na perspectiva da ciência ou da medicina, mas na perspectiva teológica e filosófica. Porque a vida humana é mais que uma questão de ciência. O valor e a dignidade de uma vida não depende só dos seus limites biológicos, ultrapassa-os. Mas, como digo, é bom perceber que as três grandes religiões: judaísmo, cristianismo e islamismo são contra estes "atentados" à vida. Até nestes dois extremos, que são o início e o fim da vida. Aqui, a ciência (medicina) tem critérios avaliativos muito diferentes: se no aborto tem certeza para dizer que ainda não há vida, ainda não é um ser humano, para a eutanásia consegue dizer que, em certos casos, a situação de alguém, já não é vida. Portanto, deixamo-nos reger pelas nossas ideias em vez de encararmos a verdade filosófica (ontológica) da vida humana. Não é a mesma coisa um embrião humano que outras células que se multiplicam, como não se pode por fim à vida quando achamos que uma doença que nos ataca já não nos dá bom viver. E como a inteligência humana não tem limites - para o bem e para o mal - depressa estas questões vão avançando de acordo com ideologias ou convicções políticas (recentemente perguntaram-me se tinha visto na televisão um debate sobre a questão da eutanásia. Respondi que não, explicando: além de não ver televisão, as questões da vida não podem ser debatidas por políticos. Politizar o aborto ou a eutanásia é perverter toda a reflexão porque, não sejamos tão inocentes, muitas das propostas políticas não têm tanto em vista o bem comum mas o ter mais votos e conquistar o poder). Fugindo do aborto e da eutanásia, como se explica que um partido político defenda o não aborto e a não eutanásia, e depois venha a destruir famílias com políticas destrutivas como o desemprego, a emigração, e por diante? Não perceberão os políticos que não criar condições dignas de viver é tão grave como permitir o aborto ou a eutanásia? Não conseguem perceber que mandar emigrar, cortar nos salários, despedir pessoas é atentar contra a dignidade da vida humana? Se há virtudes que a política perdeu foram a transparência e a coerência.
O que diferencia e muito as sociedades democráticas da civilização grega das nossas pretensas sociedades democráticas, não é só o verdadeiro interesse pelo bem comum mas, sobretudo, porque entre os gregos havia pensadores, filósofos, que pensavam e punham a sociedade a pensar. Agora os políticos acham-se também filósofos, como se a política que se exerce actualmente, com tantos escândalos, perversões e interesses privados, pudesse ser compatível com a filosofia ou a ontologia. A filosofia não se rege por  números, normas económicas ou por conquista de votos mas sim pela existência humana, no que tem de mais nobre e sagrado.
Por isso, tenho para mim, que as questões vitais não podem ser, de modo algum, propostas, discutidas e decididas pelos políticos. Porque lhes falta o verdadeiro sentido da política: o bem comum, a dignidade da pessoa humana (que vai muito além do aborto e da eutanásia) e a boa formação da consciência. Quando vejo políticos envolvidos em negócios escuros (e nem todos são públicos) não fico só na vergonha da corrupção económica, mas penso sempre: como é que pessoas como estas, que estão ou deviam estar ao serviço do bem comum, são tão mal formadas ao ponto de terem atitudes destas? Podemos ter confiança nestes políticos e das suas políticas?
Para terminar e voltar ao tema que aqui hoje me trouxe, faltam nas nossas sociedades democráticas, pessoas (pensadores, sábios, filósofos) que sejam contracorrente das políticas baratas, para se poder fazer a verdadeira política: eu não mato ninguém não porque a lei me proíbe mas porque a vida e a dignidade humana é inviolável. Não são os políticos que me fazem chegar aqui, são os que pensam e formam a consciência social, envolvida na ética. Só assim as questões vitais serão verdadeiramente vitais para a sociedade.

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