Como lidamos com as lepras?


A primeira leitura de hoje e o Evangelho fala-nos da doença mais antiga que se conhece: a lepra. E, como iremos ver, a lepra tem outros significados que ultrapassam a condição física. Mas comecemos por ela.

O povo do Antigo Testamento e do tempo de Jesus acreditava que as doenças eram castigo de Deus. Se alguém ficava doente, como um leproso, é porque tinha praticado más acções. Se alguém que tivesse nascido com algum problema, ser cego, por exemplo, a culpa poderia ser também dos pais. No evangelho de São João, antes de Jesus curar o cego de nascença, os discípulos perguntam a Jesus de quem é a culpa: do cego ou dos pais. Já veremos a resposta. A lepra era a pior das doenças. Era degradante em si e também pelas regras sociais que impunham aos leprosos, como escutámos na primeira leitura. Aliás, já neste tempo se observavam as regras de uso de máscara, o distanciamento e a quarentena… eram quase mortos-vivos. Jesus veio desfazer esta ideia de que o doente é um castigado de Deus. A resposta que Jesus dá aos discípulos quando lhe perguntam do cego de nascença é muito esclarecedora: nem dele nem dos pais. É para se manifestar nele a glória de Deus. Por isso, apesar da forte influência judaica que ainda corre nos nossos meios cristãos, devemos afastar a ideia de que fizemos mal a Deus, ou que Deus seria injusto a mandar-nos doenças quando as poderia mandar para os maus. Não, Deus não nos manda doenças nem nos quer doentes. Mas é quase inevitável que elas apareçam na nossa vida. Então Jesus também ilumina a minha doença e o meu sofrimento. Como? Com a sua presença, umas vezes silenciosa, outras vezes mais nítida, e outras ainda enviando-nos pessoas e meios que possam melhorar o nosso estado. A doença, apesar de não nos trazer nada de positivo, pode mudar um pouco a nossa vida… percebermos que não somos deuses, percebermos que temos de aprender a viver o dia a dia, percebermos que precisamos dos outros para cuidarem de nós… assumir a doença e o sofrimento que por vezes com ela vem, é muitas vezes a humildade em acto, muito valiosa aos olhos de Deus. 

Mas ao nível espiritual a lepra também nos diz alguma coisa. Olhando para um leproso, para o seu mau aspecto, vemos o que é que o pecado faz em nós. Quando fazemos o mal, quando nos metemos em esquemas que não são para a glória de Deus, como dizia São Paulo, desfiguramo-nos, perdemos a beleza com que fomos criados. Porque o mal que fazemos, os esquemas malandros em que nos metemos não só nos afastam de Deus como também nos afastam de nós. Mas também aqui nada está perdido. Porque temos um Deus que se compadece, que se aproxima, que nos toca e nos cura. Jesus veio mostrar isto mesmo à humanidade. Nos relatos de alguns milagres Jesus até começa por perdoar os pecados e depois faz o milagre. E esta é também uma cura necessária: a cura interior, que começa com o nosso arrependimento, e que se prolonga na oração e depois na vida nova que nos é dada. O leproso ajoelhou-se, pediu a Jesus e depois começou a falar dele. Se Deus não nos quer doentes também podemos dizer que Deus não nos quer no mal, no pecado. E quando reconhecemos que estivemos mal, não duvidemos que teremos Jesus à nossa frente para nos levantar, porque a compaixão que teve para com o leproso, tem hoje para contigo, para comigo. 

Como vimos na primeira leitura, o leproso tinha de distanciar-se das pessoas e viver à parte. Jesus, no entanto, quebra esta barreira legal. Por um lado, não foge do leproso, pelo contrario aproxima-se dele e, por outro, chega mesmo a tocar no leproso, fica do também ele legalmente impuro. O nosso mundo tem muito as lepras, no sentido figurado. Hoje, quando criticamos um mal que se alastra na sociedade até dizemos que é um cancro… a lepra hoje tem muitas lepras que têm de ser combatidas e para as quais Jesus é o nosso melhor exemplo e modelo. Vemos como a nível político a corrupção mina a confiança da sociedade, vemos como a mentira e as meias-verdades proliferam nos meios de comunicação social e geram confusão… agora tudo tem que ser medido: os polígrafos… mas também temos dentro da igreja a lepra do carreirismo e do clericalismo, a lepra do preconceito, do racismo, da não aceitação do outro como ele é e não como eu gostaria que ele fosse… 

Na próxima quarta-feira começaremos a Quaresma. Mais uma vez ouviremos o convite à conversão. Quando Jesus nos pede para nos convertermos, pede-nos que mudemos de mentalidade. Pede que nos deixemos curar por ele, pela sua palavra. 

Rezemos, então, neste dia, pelos doentes e por quem deles cuida. Para que sintam a nossa proximidade e a nossa solidariedade. Rezemos pelos que andam mais perdidos, em situações de vida complicadas, os que não se sentem aceites na igreja ou na sociedade, para que não duvidem da compaixão de Jesus. E rezemos por nós. Para que não causemos escândalo a ninguém, como pedia São Paulo na segunda leitura, e sermos presença de Jesus num mundo que Deus não veio condenar, mas salvar.

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