Um pai que ama o seu filho

 

Uma das maiores aflições que os pais devem ter é a de verem um filho sofrer ou mesmo perdê-lo. Não tenho dúvida que qualquer pai ou mãe, se pudesse, assumiria essa dor e daria o seu lugar para que o seu filho não sofresse. 
Hoje escutámos na primeira leitura uma passagem muito complicada. O mesmo Deus que deu um filho a Abraão, pede agora a sua vida como sinal de fé. As explicações desta passagem são várias e a maior parte delas vão no sentido de ser uma prova de fé. Daqui não tenho dúvidas que os problemas da nossa vida são muitas vezes provações em que se pode questionar a fé, mas, mais importante, é que a fé ilumine as nossas provações e dificuldades. Esta leitura diz-nos isso: a nossa vida é semeada de alegrias e esperanças, mas também com as suas penas e sofrimentos, incompreensões e injustiças e contrariedades. Uma primeira pergunta poderia ser esta: com que atitude enfrento, vivo, os problemas da minha vida? Será que a fé nos faz chamar Deus desde o início ou só o chamamos por Ele quando já quase nada se pode fazer ou quando já nem nós temos fé em nós? 
Uma outra explicação, mais cultural e contextualizada diz que esta passagem faz a diferença no entendimento de quem é Deus e do que ele nos pede. No tempo de Abraão, os outros povos tinham esse costume de sacrificar seres humanos para agradar a Deus ou como pagamento de uma promessa. Alguns especialistas da Bíblia dizem que esta passagem faz o corte e faz a diferença quando Deus diz a Abraão que não levante a mão contra o seu filho. Como que a dizer-nos, e isso é certo: Deus não quer nem precisa deste tipo de sacrifícios porque valemos muito para Ele. 
Mas há um fio condutor nas leituras de hoje e é por isso que elas nos aparecem a caminho da Páscoa: na primeira leitura, Isaac é o único filho de Abraão, o filho que tanto amava; no Evangelho, durante a transfiguração de Jesus ouve-se a voz do Pai a dizer: este é o meu filho muito amado; e na segunda leitura, onde encontramos a chave interpretativa São Paulo diz-nos que Deus não poupou o seu próprio filho. Ou seja, Deus deixa o seu filho muito amado morrer, Jesus entrega a sua vida à morte, voluntariamente, para que nós não morrêssemos na pior morte que era vivermos a eternidade sem Deus. O Padre António Vieira num dos seus sermões fala das duas mortes: uma inevitável, o fim da nossa vida neste mundo, e a segunda, que só depende de nós, que é morrermos sem Deus. Com a morte e ressurreição de Jesus Deus garante-nos uma vida para além desta vida, uma vida para além da morte, ao mesmo tempo que a Quaresma nos lembra que a segunda morte só acontece se nós quisermos porque só depende de nós. Uma vida recta, iluminada, apoiada na vida de Jesus a quem escutamos e imitamos, é garantia de uma vida eterna com Deus. 
A transfiguração de Jesus é isso mesmo: Jesus antecipa na transfiguração a ressurreição. Tinha dito aos discípulos que teria de ir a Jerusalém, sofre e padecer, morrer e ressuscitar…, mas os discípulos não sabiam o que era ressuscitar dos mortos e por isso tinham medo do futuro deles e do de Jesus e por isso era melhor não irem para Jerusalém. Então Jesus antecipa na transfiguração o que vai acontecer depois de morrer. Será na ressurreição que eles vão compreender a transfiguração. Assim também na nossa vida. Os problemas que temos desafiam-nos. Quase todos nós somos hoje testemunhas de que um momento mais complicado da nossa vida não só acabou por se resolver como mudou a nossa vida para melhor, deu-lhe um outro rumo. Desde a saúde a uma oportunidade de trabalho, de um problema de família ou até de vida religiosa. Entendemos que Deus nos fechava uma porta, mas que depois nos abriu um portão. E só depois, olhando para trás, vemos que o que nos aconteceu mudou-nos, amadureceu-nos e transformou-nos. 
Uma última palavra: Isaac era o filho que Abraão amava muito; Jesus é o filho que Deus muito ama. Nós que somos filhos não duvidemos nunca do amor dos nossos pais. Esse amor tem de ser agradecido. A Deus, claro, mas também a eles. Há um repto agora na internet em que perguntam aos filhos há quanto tempo não dizem aos pais que os amam. Muitos reconhecem que há muito tempo que não o fazem. E desafiam a ligar para os pais a dizer que os amam. Em quase todos os vídeos os pais acabam por se emocionar… há quanto tempo eu não digo aos meus pais que os amo? Há quanto tempo não estou perto dos meus pais para sentir e dar-lhes o meu carinho e presença? Vou deixar estes gestos de ternura para quando eles já não os sentirem? 
Rezemos hoje pelos pais que sofrem com o sofrimento dos seus filhos. E rezemos pelos que sofrem com a frieza e distância dos seus filhos. Pelos que ficaram sem filhos e sentem a injustiça e o vazio. 
E nós, agradeçamos o dom dos nossos pais, o dom do amor, plenamente manifestado na cruz, onde Jesus, por amor, deu a vida por nós.

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