Não nos deixeis cair na tentação...

O evangelho das tentações é lido neste primeiro domingo quer por causa do número 40 quer por causa de Jesus ter ido para o deserto. É este o número muito simbólico, mas significativo dos dias do dilúvio, dos quarenta anos que o povo de Israel demorou a atravessar o deserto desde o Egipto à terra prometida, os quarenta dias das nossas quaresmas… e o deserto que é ao mesmo tempo o lugar da provação, o lugar do despojamento, mas também o lugar privilegiado para escutar a voz de Deus. No profeta Oseias há uma passagem que diz isto mesmo: vou conduzir o meu povo ao deserto para lhe falar ao coração. E assim como o número quarenta tem um simbolismo forte também o deserto pode ser uma metáfora da nossa vida, reconhecendo nesta passagem do Evangelho o que pode acontecer na nossa vida. 

Jesus era tentado por Satanás. As tentações fazem parte da nossa existência. Desde as inofensivas tentações até às mais gravosas, que causam dano não só a nós, mas também aos outros, dos mais pequenos a nós, mais velhos. E diante delas só temos duas opções. Ou as vencemos ou caímos nelas. Como não fomos criados para o mal só nos resta vencer as tentações. Que no fundo consiste em não ceder ao descontrolo. Sabemos bem que o problema não está em cair mas sim em levantar-se da queda. Como vencer as tentações? De Jesus nos vem o exemplo e a força. O exemplo porque assim como ele foi tentado e venceu, também nós somos tentados e seremos vencedores com a força de Jesus. A nossa determinação em estar atento ao mal que quer sempre dominar-nos, com a força de Jesus faz-nos não cair na tentação. Para vencer é preciso renúncia, é preciso combate, é preciso determinação. Que o diga o Diogo Ribeiro, que o digam os campeões, que o digam os Santos. Não há vitórias sem sacrifícios. Diz assim Santo Agostinho: "De facto, a nossa vida, enquanto somos peregrinos na terra, não pode estar livre de tentações, e o nosso aperfeiçoamento realiza-se precisamente através das provações. Ninguém se conhece a si mesmo se não for provado, ninguém pode receber a coroa se não tiver vencido, ninguém pode vencer se não combater, e ninguém pode combater se não tiver inimigos e tentações". Mesmo quando às vezes não sabemos o caminho por onde ir, sabemos qual é o caminho por onde não ir. Nem sempre conseguimos vencer as tentações, mas isso não nos deve levar nem à frustração nem à vontade de desistir. Numa das salas do IPO de Lisboa está escrita numa parede esta frase: o derrotado não é o que cai, mas o que desiste de se levantar. Quando cairmos lembremo-nos da bela imagem do arco-íris, que na Bíblia é sinal do amor de Deus por nós. 

Jesus vivia com os animais selvagens. Atenção que não se diz que Jesus fugia dos animais selvagens, mas sim que convivia com eles. Também aqui há um caminho a percorrer. Estamos neste mundo para vivermos em harmonia. Deus deu-nos inteligência para construir e não para destruir. Se calhar nesta Quaresma podemos perguntar-nos: qual é a minha relação com a meio que me rodeia, com a natureza? Sou dos que cuido ou dos que estrago? Crio harmonia ou prefiro o desastre? Já todos percebemos que a natureza tem reflexos e que a causa-efeito funciona mesmo. Estamos aflitos com a inflação, mas não é só por causa das guerras e dos preços do petróleo. Também já contribuem e muito as alterações climáticas. Viver em harmonia, respeitar o mundo em que vivo com a consciência de que foi Deus que mo proporcionou não para estragar, mas para cuidar. 

E os Anjos serviam-no. É curioso que na versão de São Marcos temos de um lado satanás, que tenta, e do outro os anjos que servem. Mais curioso ainda é que o mesmo pode acontecer connosco. Porque quem não se deixa levar pelo caminho do mal só pode andar no caminho de Deus. E sabe tão bem fazer esta experiência de andarmos no caminho de Deus. A vida santa, que pensamos ser impossível para nós, mas que só depende de nós. Quando renunciarmos à maledicência, teremos os anjos a servir-nos, quando renunciarmos à provocação ou a responder a ela, teremos os anjos a servir-nos, quando renunciamos à violência e ao amuo, teremos os anjos a servir-nos. Mas também poderemos ser anjos a servir os outros. Gostava a este propósito, e termino, de citar São Leão Magno, papa do século V, que num dos seus sermões sobre o primeiro domingo da Quaresma, pregava assim sobre o jejum: “sejam as obras de misericórdia as nossas delícias e enchamo-nos nos destes alimentos que alimentam com vista à eternidade. Coloquemos a nossa alegria nas refeições dos pobres aos quais se associou a nossa esmola, alegremos-nos no vestido daqueles cuja nudez cobrimos com a nossa roupa, chegue a nossa humanidade os enfermos nas suas doenças, aos desterrados nas suas provações, aos órfãos no seu abandono, às viúvas desoladas nas suas tristezas… não há ninguém que em ajudar o outro não tenha alguma parte do benefício. Nada é pequeno quando é grande o coração”. Quando partilhamos somos anjos a servir Jesus nos mais pobres e aflitos. 

Que a Quaresma seja mesmo um tempo de mudança de mentalidade. De renúncia ao mal e adesão ao bem; de equilibro com a natureza que nos rodeia e de sermos anjos para os outros. 

E quando virmos um arco-íris no céu lembremo-nos do grande amor que Deus tem por cada um de nós. Assim seja.

 

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