Caminhos de Advento I

Começamos hoje, na Igreja e em Igreja, um tempo novo e um ano novo. É o tempo do Advento que tem como principal objectivo a preparação da festa do Natal que iremos celebrar no próximo dia 25 de Dezembro. Mas o Advento tem uma tríplice comemoração: em primeiro lugar este o acontecimento histórico de há mais de dois mil anos, que vem narrado nos Evangelhos e do qual Jeremias profetizou; depois uma segunda vinda, que nós esperamos e que acontecerá no fim da História. A segunda leitura e o Evangelho relacionam-se com esta segunda vinda de Cristo. Mas há uma vinda intermédia, que acontece em cada dia e em cada tempo. E é nesta vinda intermédia e para esta vinda intermédia que nós nos preparamos cada ano. Celebrar no presente o que aconteceu no passado e esperando a segunda vinda de Cristo.
E não nos podemos ficar na candura do presépio nem no temor do julgamento final. Devemos, sim, viver na alegria e na esperança esta encarnação, diria quase diária. Este tempo intermédio em que poderíamos sentir uma certa aridez, porque não temos de um modo real o Deus connosco, é o tempo do desafio e da descoberta de uma outra presença, mais discreta, mais espiritual mas que não deixa de ser presença.
A nossa atitude, enquanto existirmos no mundo, não deve ser, por um lado, de medo, como já se disse, nem, por outro, de astrónomos: olhar para o céu a ver como é que anda o sol ou a lua nem a agitação do mar; a nossa atitude deve ser, como dizia Jesus no Evangelho, de leveza de coração ou, se quisermos, de coração disponível para a libertação.
Por isso, vigiamos e rezamos. São as duas melhores atitudes este nosso tempo e para nós, cristãos. Vigiar é estar desperto, é estar atento, é estar concentrado, é desejar. E o desejo é sempre uma tensão. Por isso, o mundo, com as suas voltas e revoltas deve ser o palco da esperança onde actuamos com Deus. O Advento diz-nos que não podemos nem desistir nem desesperar. Não podemos perder a esperança enquanto o mundo de Deus, a cidade de Deus, não for “O Senhor é a nossa justiça”. É bom, então, que desejemos um mundo novo mas é melhor ainda que o construamos. O fermento na massa não são os outros, somos nós.
“O desejo é a alma da oração”, disse Santo Agostinho. E daí a segunda atitude do Advento, lembrada por Jesus no Evangelho: oração.
A oração não é como que uma fuga do mundo, uma distracção. A oração em tempo de Advento há-de ser para nos concentrarmos; para não sermos tão pagãos mas mais cristãos. E a oração em Advento aparece como desafio. Porque é que celebramos o Natal? Pelas luzes? Pelas prendas? Pelas tradições? Ou pela alegria de irmos sentido a presença de Deus no nosso mundo e na nossa vida? Giramos à volta do supérfluo ou giramos à volta de Cristo? O tempo do Advento aparece-nos como um tempo de preparação espiritual para este frente-a-frente com Deus. É porque queremos Deus connosco, é porque o desejamos que rezamos.
Um último aspecto ainda sobre esta vinda quotidiana de Cristo à nossa vida: a solidariedade. O tempo de Advento é muito marcado pelas campanhas de solidariedade. O desejo de um mundo melhor, a oração que aquece a nossa fé e nos liga a Deus leva-nos à partilha. A partilha é uma resposta concreta ao Deus dos pobres e dos injustiçados. Infelizmente a pobreza do presépio continua na pobreza das pessoas sem-abrigo, dos sem-amor e dos sem-esperança. Jesus fez-se pobre, quis nascer pobre para nos enriquecer com a sua pobreza. Que estas atitudes cristãs: o desejo, a oração e a partilha orientem este caminho em direcção ao presépio, que será sempre o lugar onde Jesus está à nossa espera.

(imagem: Velha senhora com uma vela, Guerrit Dou, 1661)

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