Caminhos de Advento IV

Estamos a dois dias do Natal. Estamos a terminar um tempo que a Igreja nos ofereceu para preparar, ao longo de quatro semanas, este grande mistério do Deus connosco. Isaías encheu-nos de esperança ao profetizar sobre o Messias; João Baptista despertou-nos para a necessidade de nos esvaziarmos para podermos acolher Deus; São José – embora não tenha aparecido na liturgia dominical – ensinou-nos o silêncio operante: não questionar mas ajudar Deus a cumprir o seu projecto de salvação para a humanidade. Hoje aparece-nos a figura de Maria, a Mulher admirável, a toda Santa, como lhe chama o mundo oriental, que nos diz que acreditar em Deus é o princípio da bem-aventurança, da felicidade. E assim temos um presépio invulgar, em que ainda não aparecem os animais nem os pastores ou reis – só aparecerão depois do acontecimento – mas por estas figuras que nos colocam expectantes e vigilantes.
As leituras deste último domingo do Advento, assim como as desta semana, narram-nos os acontecimentos práticos e imediatos ao mesmo tempo que teológicos do mistério do Natal: a primeira leitura, do livro do profeta Miqueias que nos fala de Belém, a cidade teológica do nascimento de Jesus; a carta aos hebreus que nos dá o sentido teológico da vinda do Filho de Deus ao mundo em que se ressalta a obediência e o amor; e o Evangelho que nos fala de caminhos e de encontros.
Graças a Deus que, cada vez mais, vamos tendo consciência de que a Bíblia não é um livro de História ou, se preferirmos, há mais leituras que a histórica e que são bem mais importantes e interessantes. E também nos vamos apercebendo que os livros da Bíblia são construções e que, por isso, têm intenções e interpretações que nós devemos ter em conta. É o que se passa com a primeira leitura. Hoje em dia muitos dos exegetas da Bíblia falam de Belém como um lugar teológico em vez do lugar histórico do nascimento de Jesus. Foi desta profecia, ligado ao facto de David, o grande rei de Israel, ter nascido nesta cidade que Mateus e Lucas fixam o nascimento de Jesus em Belém. Para Mateus não há Nazaré. Eles vão para Nazaré depois de regressarem do Egipto. Lucas faz acontecer um recenseamento, que vai coincidir com o final da gravidez de Maria, para eles terem de se deslocar a Belém, terra de José, descendente de David, e aí nascer Jesus. Esta explicação não é para escandalizar mas para explicar que Belém não aparece só pela história. Aparece pelo que significa: uma pequena cidade que não tem o relevo de Jerusalém mas de onde saíram as duas grandes personagens da História de Israel: David e Jesus. David era pastor, Jesus filho de um carpinteiro. David sai vitorioso na conquista de Jerusalém, Jesus, em Jerusalém sai vitorioso do túmulo, vencendo a morte.
Entre os acontecimentos de Nazaré e de Belém há o que escutámos no Evangelho: Maria põe-se a caminho, apressadamente, para ir ao encontro da sua prima Isabel. É também o primeiro encontro dos dois meninos que ainda estão no seio materno: João baptista saltou-lhe de alegria no seio quando ouviu a voz de Maria. Santo Ambrósio, no século IV, fez uma interpretação admirável deste encontro. Diz ele assim: “Cheia já totalmente de Deus, para onde havia de se dirigir senão para as alturas? A graça do Espírito Santo ignora a lentidão. Depressa se manifestam os benefícios da chegada de Maria e da presença do Senhor, pois logo que Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino exultou de alegria no seu seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo.
Repara como cada palavra está escolhida com perfeita precisão e propriedade: Isabel foi a primeira a escutar a voz, mas João foi o primeiro a pressentir a graça. Aquela escutou segundo a ordem da natureza; este exultou em virtude do mistério. Ela apreendeu a chegada de Maria; este, a do Senhor. A mulher ouviu a voz da mulher, o menino sentiu a presença do Filho. Aquelas proclamam a graça de Deus, estes realizam-na interiormente, iniciando no seio de suas mães o mistério de piedade. E por um duplo milagre, as mães profetizam sob a inspiração de seus filhos.
O filho exultou de alegria; a mãe ficou cheia do Espírito Santo. A mãe não se antecipou ao filho; foi este que, uma vez cheio do Espírito Santo, o comunicou a sua mãe. João exultou; igualmente exultou o espírito de Maria. A alegria de João comunica-se a Isabel; de Maria, porém, não se nos diz que recebesse então o Espírito, mas que o seu espírito exultou de alegria. Aquele que é incompreensível actuava já em sua Mãe de maneira incompreensível. Enfim, Isabel recebe o Espírito Santo depois de conceber, Maria recebera o Espírito Santo antes de conceber. Por isso, Isabel diz a Maria: Feliz de ti, que acreditaste”.

(imagem: Anunciação, Pietro Cavallini, 1290)

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