Mensagem pascal - Cardeal Suenens

Chega o dia de Páscoa e com ele a certeza da imortalidade da nossa existência, garantida pela Ressurreição de Cristo. O Cardeal Suenens, termina o seu livro «vida quotidiana - vida cristã» (1965) com esta mensagem pascal que aqui deixo para reflexão nos próximos dias.



Porque buscais entre os mortos Aquele que vive? (Os anjos às santas mulheres, São Lucas 24, 5).

Há uns anos, um filme americano intitulado – parece-me - «O mundo nas trevas», punha em cena o seguinte tema.

VAZIO, - O TÚMULO?

Procedendo as escavações em Jerusalém, principalmente à volta do Calvário, um erudito arqueólogo anunciou um dia haver encontrado o túmulo onde Jesus fora deposto, o túmulo de José de Arimateia e... que finalmente, o túmulo não estava vazio. Declarou haver lá encontrado um corpo mumificado, e mostrou-o. A multidão precipitou-se para ver o cadáver: Cristo, afinal, não ressuscitara! A notícia foi logo transmitida, pela Imprensa e pela Rádio, aos quatro cantos do mundo. Logo também o mundo mergulhou em trevas sem nome. Tudo o que falava de Cristo, tudo que vive dele, tudo o que levava o seu sinal estava condenado a desaparecer. As igrejas fecharam, as catedrais foram demolidas, os quadros que representavam Jesus desapareceram dos museus, os mosteiros esvaziaram-se, os missionários regressaram aos seus países, a cruz foi afastada dos lares.
Finalmente, quando o mundo, aluído pelo imenso abafo sísmico, mergulhara já em noite espiritual completa, o erudito arqueólogo, estando para morrer, confessou, no seu leito de moribundo, que forjara uma fraude, que realmente o túmulo, estava vazio.
O filme vale o que vale, mas tem pelo menos um mérito: o de fazer compreender, que não há nada de mais essencial para o mundo, que saber-se o que se passou na manhã da Páscoa.
Esse túmulo estava vazio? Cristo ressuscitou? Eis toda a questão.

A PERGUNTA DECISIVA

Para os apóstolos que fazem perguntas uns aos outros, na manhã da Páscoa, a questão é decisiva.
Pode resumir-se assim:
Vivemos inutilmente – sim ou não?
Estragámos a nossa vida —sim ou não?
Estes três anos que -vivemos com Ele foram louca aventura sem amanhã — sim ou não?
Este Cristo a quem seguimos, era um impostor, ou é o filho do Deus vivo?
Toda a sua vida está suspensa desta resposta E toda a vida da humanidade também. Porque depois desse dia, depois dessa manhã de Páscoa, os homens estão divididos à volta do túmulo vazio.
Para uns: Cristo está morto e os mortos, não ressuscitam.
Para outros: Cristo morreu, mas está vivo, e da sua morte surgiu a vida.
Conforme o partido que se toma, assim a face do mundo se transforma e os valores mudam de sinais.
- Se Cristo não ressuscitou... nesse caso!...
O céu está fechado.
«Estamos ainda nos nossos pecados».
A terra é reino de trevas e morte.
- Se Cristo não ressuscitou... nesse caso!
Arranquemos a cruz do altar; dos nossos escapulários, dos nossos lares, dos cruzeiros erguidos pela piedade dos nossos pais, nas encruzilhadas do caminhos.
Arrancai-a, se puderdes, do vosso coração. Fazei calar os sino que badalam mentiras.
Tudo isto é lógico, implacavelmente lógico.
- Se Cristo não ressuscitou... nesse caso!...
Todos os mártires que deram a sua vida por Ele, desde Santo Estêvão até aos mártires contemporâneos, morreram em vão, e os carrascos é que terão a dizer a última palavra.
- Mas se Cristo ressuscitou ao terceiro dia, como dissera, então:
O Céu está aberto, um dos nossos entrou lá como vencedor.
As cadeias do pecado foram partidas.
Não é vã a nossa fé.
As nossas mais fundas esperanças são legítimas e os mais altos amores são certos.
- Se Cristo ressuscitou, como dissera, então:
Deixai os sinos repicar, jubilosamente, festejando o aleluia da Ressurreição.
Beijemos a cruz redentora e ergamo-la, firme e altaneira, em nossos corações e nos nossos campanários.
Então, o sangue dos mártires se tornará semente de vida.
Encaremos de frente o futuro e quaisquer que sejam as agonias que conheça a Igreja, que repita com Montalambert:
«Contra os que a caluniam, a acorrentam ou atraiçoam, a Igreja tem há dezanove séculos uma vitória e uma vingança garantidas: a sua vingança é rezar por eles e a sua vitória é sobreviver-lhes».

A FÉ DA IGREJA

Hoje, a Igreja volta a repetir uma vez mais ao mundo o brado de alegria, que passa de século para século:
«Meus irmãos, Cristo ressuscitou.»
- A igreja vive desta Ressurreição, nasceu daquele túmulo vazio. Toda a sua alegria é uma alegria pascal.
Esta alegria, também, por minha: vez, eu a desejo a todos. Um bispo não passa de ser uma testemunha da Ressurreição. É aquele que vem atestar, oficialmente, esse facto prodigioso, sancionado por milagres e profetizado pelo Salvador.
Se Cristo ressuscitou, a vida abre-se então para cada um de todos nós; saímos da morte para entrar na luz. O filósofo Bergson, muito antes de aderir, interiormente, à Igreja, escreveu estas palavras no fim dum dos seus livros:
«Se tivéssemos, na verdade, a certeza, a absoluta certeza, de sobrevivermos, não podíamos pensar mais em outra coisa. Os prazeres subsistiriam, mas pálidos, descorados, porque a sua intensidade não passaria da atenção que lhe dispensássemos. Enfraqueceriam, como o brilho das lâmpadas ao sol da manhã. O prazer seria eclipsado pela alegria».
Há um mundo, com efeito, de diferença entre o prazer e a alegria. O prazer manifesta-se em superfície, a alegria em profundidade. É a alegria pascal que deseja hoje a Igreja aos seus filhos; alegria da qual sentem terrivelmente a necessidade: o homem nutre-se menos de pão que de alegria. Saber que Cristo está vivo, é saber por uma vez que finalmente a vida vencerá o nada e a morte, que foi vencido o Inverno e está a chegar a Primavera.
É uma mensagem de esperança que nos oferece a Igreja, para dar aos homens a coragem de marchar, enquanto não chegue o dia em que volte o Ressuscitado, em toda a sua glória, a pôr-se à testa duma humanidade que terá, graças a ele, vencido a morte. Daqui até lá, o glorioso Ressuscitado caminha connosco, nos nossos caminhos, contemporâneo de todos os homens que se sucedem, mais vivo do que nunca no fundo dos corações. Ninguém melhor que Lacordaire exprimiu numa das suas célebres conferências de Notre-Dame, esta presença do Senhor além da morte. Mais dum século depois, esse grito de fé ainda vibra, actual como nunca. É com ele que queremos terminar esta mensagem Pascal.
«Procurando toda a vida o amor, nunca o alcançamos que não seja de maneira imperfeita, que nos faz sangrar o coração. E obtido que fosse em vida, que nos resta do amor depois da morte? Eu sei, uma prece amiga nos acompanha para além deste mundo, piedosa lembrança profere o nosso nome; mas bem depressa o céu e a terra dão um passo, desce o olvido e o silêncio nos encobre, margem alguma enviará mais à nossa campa a brisa etérea do amor. Acabou-se, acabou-se para sempre: eis a história do homem no amor. Estou enganado, há um homem cujo amor guarda o túmulo; há um homem cujo sepulcro é não só glorioso, como disse um profeta, mas também amado. Há um homem cujas cinzas, dezoito séculos depois, ainda não arrefeceram; que todos os dias renasce no pensamento de multidões inumeráveis; que visitado no seu berço por pastores, pelos reis que lhe levam, à porfia, ouro, incenso e mirra. Há um homem, cujos passos considerável contingente da humanidade retoma, sem nunca se cansar e que, posto que de todo desaparecido, se vê seguido por essa turba, em todos os lugares da sua antiga peregrinação, nos joelhos de sua mãe, à beira dos lagos, no alto das montanhas, nos atalhos dos vales, à sombra das oliveiras, no segredo dos desertos. Há um homem morto e sepultado, cujo sono e despertar se espia, cuja cada palavra que disse vibra ainda e produz mais que produz o amor, - virtudes que frutificam no amor. Há um homem pregado há séculos a um patíbulo, e a este homem, milhões de adoradores o despregam, todos os dias, desse trono do seu suplício, ajoelham diante d’Ele, prosternam-se o mais baixo que podem, sem corar por isso, e aí, de rojo, lhe beijam com indizível ardor os pés que sangram.
Há um homem flagelado, morto, crucificado, que ressuscita da morte e da infâmia inenarrável da Paixão, para o colocar na glória dum amor que nunca falece, que n’Ele encontra a paz, a honra, a alegria e até o êxtase. Há um homem, perseguido no seu suplício e no seu túmulo por ódio inextinguível, e que pedindo mártires e apóstolos, a toda a posteridade que se levanta, encontra mártires e apóstolos em todas as gerações. Há um homem, enfim, o único que fundou na terra o seu amor, e Esse homem sois vós, Jesus! Vós, que por bem houvestes baptizar-me, ungir-me, sagrar-me no vosso amor, e só cujo nome, neste momento, abre as minhas entranhas e lhes arranca este ímpeto, que me confunde e que eu em mim não conhecia».

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