Saber descobrir Deus

Às portas da Páscoa, todos procuramos um sentido para a vida e procuramos Jesus. Santo Agostinho, nas suas «Confissões» reconhece que procurava Deus fora dele e Deus estava dentro dele. O Cardeal Suenens, no seu livro «Vida quotidiana - vida cristã» (1965), fala-nos sobre como descobrir Deus.



Perguntou-lhe Jesus: mulher, porque choras? A quem procuras? (São João 20, 15).

O ENCONTRO NO JARDIM

Voltemos a ler a página do Evangelho que descreve o encontro de Jesus e de Maria Madalena, em manhã de Páscoa, no jardim onde o Mestre fora sepultado: «Maria estava junto à entrada do túmulo, chorando. Enquanto chorava, abaixou-se e olhou para dentro do túmulo, e viu dois anjos com vestes brancas, sentados onde o corpo de Jesus fora posto, um à cabeceira e outro aos pés. Eles lhe perguntaram: Mulher, porque choras? Respondeu ela: Porque tiraram, o meu Senhor, e não sei onde o puseram. Tendo dito isto, virou-se para trás e viu Jesus em pé, mas sem saber quem era ele. Perguntou-lhe Jesus: Mulher, porque, choras? a quem procuras? Ela, supondo ser ele o jardineiro, respondeu: - Senhor, se tu o tiraste, diz-me onde o puseste, e eu o levarei. Disse-lhe Jesus: - Maria! Ela virando-se lhe diz em hebraico: - Rabboni! (que quer dizer Mestre). Disse-lhe Jesus: - Não te aproximes, porque ainda não subi ao Pai, mas vai a meus irmãos e diz-lhes que subi para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus. Maria Madalena foi contar aos discípulos: - Vi o Senhor, e ele disse-me estas coisas».
Reparastes na pergunta dos anjos: «Mulher, porque choras?» e na resposta: «Porque tiraram o meu Senhor, e não sei onde o puseram»?
Essa mulher chora sobre um túmulo vazio, e não sabe que será esse túmulo a alegria suprema da sua vida, e da de todos os homens que choram sobre a terra.
Maria Madalena chora na presença daquele, que realmente é a sua suprema razão de viver e de esperar.
Não será aquela mulher, lavada em lágrimas, a própria imagem da nossa incompreensão, perante o mistério do sofrimento? Nós não vemos senão o vazio, a rotura, a partida, o rapto. Nós não vemos senão o reverso das coisas, e esse reverso desola-nos porque nos dói.
Aquela mulher em pranto queixa-se, porque lhe levaram o seu Senhor e ela não sabe onde o puseram. Ela quer tornar a ver o corpo no sepulcro e saber que lá está. Ela quer reduzir as coisas ao seu grau de visão, na esfera do seu entendimento. Quer ordem, precisão, que se respeite o que está. Quer embalsamar um morto e lamenta-se por uma ausência que a faz sofrer.
Essa mulher queixa-se..., quando Deus está prestes a dar-lhe a maior glória cia sua vida. Mas não o sabe ainda.
Olhai para Madalena e perguntai a vós mesmos se também vós não queixais a Deus, quando os seus pensamentos não coincidem com os vossos quando as suas vias não são as vossas.

O INCÓGNITO DE DEUS

Maria Madalena volta-se e vê um jardineiro. É Jesus que se aproxima; ela porém ignora-O. Essa mulher, que não reconhece a Deus sob a aparência do jardineiro, não é a imagem do cristianismo desorientado, perante os aspectos incógnitos de Deus? Imaginamos que Deus nos pode aparecer com grande aparato e em circunstâncias que julgamos dignas dele. E o Mestre compraz-se em seguir os seus em roupa de trabalho, em quaisquer e ordinárias circunstâncias. Queremos que Deus respeite os nossos limites, as nossas convenções, as nossas ideias pré-concebidas. Deus sorri das nossas conveniências e manifesta-se debaixo de todas as aparências. Esconde-se a coberto do anonimato da provação e do sofrimento, de mais bom grado ainda que numa outra conjuntura qualquer, por estar ai mais, próximo e mais íntimo de nós: pode assim melhor curvar-se sobre as nossas misérias. Mas custa-nos tanto, infelizmente, a acreditá-lo!
Madalena procura Jesus, um Jesus que julga morto, e o que vem a encontrar é Jesus vivo, o Senhor da morte e da vida. Então fica transtornada, mas o seu próprio espanto é valorizado pelo triunfo supremo de Deus. Madalena procura a Jesus cá fora, em qualquer parte do jardim, e pergunta: «Onde o pusestes?».

UMA PÁGINA DE SÃO BERNARDO

«Procura-se Deus onde ele não está, ou antes, não se procura Deus onde ele está, principalmente; daí, todas as confusões, todos os atrasos, o incessante-repisar no mesmo ponto.
- «Mulher, porque choras? A quem procuras? Possuis aquele a quem procuras, e não sabes? Ele é teu, e tu choras? Andas à procura dele cá fora e ele está dentro de ti. Estás de pé, a chorar fora do túmulo! Porquê? Onde estou eu? Estou em ti mesmo. É em ti que repouso, não morto mas eterno vivo. Tu mesmo és o meu jardim. Bem o pensaste, chamando-me jardineiro.
«Segundo Adão, também eu tenho a meu cargo um Paraíso. A minha lida: trabalhar para fazer crescer neste jardim, a tua alma, messes de desejos. Como? Tu tens-me, possuis-me em ti, e não sabes? Eis porque tu me procuras lá fora. Pois bem, aqui estou. Apareço-te aqui fora, mas para te levar para dentro. É aí que tu vais encontrar-me...
«Ah! Eu nunca estou ausente e longe, como julgas. Estou perto. Diz-me, que poderá haver de mais próximo para alguém que o seu próprio coração? Os que me encontram é aí, no seu coração, que me encontram; eis a minha residência».
Oxalá a solenidade da Páscoa vos faça abrir ao mistério da dor, vos leve a descobrir Deus sob todas as aparências, vos traga o sentimento de que Deus está vivo e de que vive em nós. Tome a certeza da sua presença a vossa alma forte e corajosa, transbordante de alegria.
Depois, em nome do Mestre, a Igreja pede-vos que não guardeis só para vós o segredo da vossa fé e da vossa alegria, e repete a todos o mandado de Jesus a Madalena: «Vai ter com os teus irmãos e diz-lhes que o Mestre ressuscitou».
Vai, não guardes só para ti a boa nova.
Vai gritar a tua alegria ao mundo, que tem necessidade dessa certeza, para viver e triunfar da dor.

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