Saber agradecer

Tenho um baú (são mais arquivadores que propriamente um baú), onde vou guardando artigos que no momento em que os encontro não os consigo ler, nas esperança de um dia ter tempo de voltar a abrir a tampa.
Permite este tempo que abrisse a tampa deste baú e encontrasse uma obra clássica dos anos 60, escrita pelo vanguardista Cardeal Suenens, da Bélgica, que tanto fez de bem pelo Concílio Vaticano II. O livro chama-se: vida quotidiana - vida cristã. São muitos pequenos capítulos em que o Cardeal Suenens vai compaginando a vida quotidiana com a vida cristã. Como o Evangelho de hoje nos fala do gesto gratuito e de gratidão de Maria, irmã de Lázaro e de Marta, para com Jesus, derramando perfume de nardo puro sobre os seus pés e enxugando-os com os cabelos, coloco aqui um pequeno capítulo deste livro "vintage", sobre o saber agradecer. Nos próximos dias tentarei colocar mais pequenos capítulos, se o tempo mo permitir.



SABER AGRADECER

Damos continuamente graças a Deus por todos vós… (S. Paulo aos Tessalonicenses 1ª epístola, 1, 2).

Há duas palavras, das mais belas do vocabulário humano, duas palavras, simples, mas que vão longe quando assentimos realmente: «sim» e «obrigado».
A julgar pela raridade da gratidão, parece coisa dificílima para os homens o dizer «obrigado». Se melhor se compreendesse o dever de agradecer, que tamanha mudança não haveria, entretanto, nas relações humanas!
Nosso Senhor, no Evangelho, chamou a atenção para uma falta grave. Lembrai-vos do episódio da cura dos dez leprosos. Nosso Senhor fez o milagre. Lá vão eles felizes, satisfeitos. Só um dos leprosos pensou em voltar atrás, para agradecer ao Mestre. «E os outros nove - disse Jesus - onde estão eles, não foram curados também?»
Tinham-se esquecido, simplesmente, de agradecer.

AGRADECER AOS OUTROS

Já teremos reparado bem até que ponto consideramos como coisa para sempre entendida, que temos o dever de agradecer os serviços que nos prestam?
Sucede muitas vezes, quando se chama a atenção de qualquer patrão ou chefe para o zelo do seu empregado ou servidor, ouvir-se em resposta: «Mas, para isso é que são pagos». Pronto! Paga-se e quem paga, julga-se desobrigado.
Devia reflectir-se em tudo quanto contém de caridade cristã, de calor humano, um «obrigado», mesmo quando se pagou um serviço.
Há tanta coisa, aliás, que se não paga com dinheiro, mas que se paga com um sorriso, com uma atenção, com um «obrigado».
As floristas descobriram esta linda sugestão: «Manifestai os vossos sentimentos com flores». Devemos exprimir os nossos sentimentos com a ajuda de outra coisa que não seja só moeda ou gorjeta.
Ditoso o lar onde os filhos aprenderam a dizer «obrigado» àquele e àquela que lhes consagram a vida e só querem o bem deles. Há coisas que vão bem por si; mas, que se se disserem, muito melhor vão ainda!
Há uma arte da gratidão, a inculcar com oportunidade e tacto. A vida é feita de mil coisinhas e a felicidade na família depende delas, em grande parte. Uma dessas coisinhas é a palavrinha «obrigado», dita no momento próprio.
O «obrigado» do marido à esposa vale todo o dinheiro do mundo: indica que o marido está atento ao que se faz por ele, que sabe aperceber-se do amor e do esforço encoberto nas pequenas minúcias da vida quotidiana.
O «obrigada» da mulher ao esposo é mais do que é preciso para lhe dar coragem, a fim de recomeçar, cada dia que nasce, um trabalho monótono e fatigante, a luta pela vida, em que por vezes os golpes são deveras duros e os homens muito maus. É um raio de sol que leva consigo o esposo, para os aborrecimentos do escritório ou da oficina. E o homem tem mais necessidade de sol do que de pão.
E o «obrigado» do chefe ao que trabalha sob as suas ordens, que milagres não opera de dedicação! Nada se compreende da questão social, enquanto se julgar que de facto o conflito entre patrões e operários é principalmente uma questão de dinheiro. Primeiro que tudo é uma questão de relações humanas.
É de lembrar aquele mineiro, interrogado pelo rei Alberto da Bélgica, ao descer a uma mina. Perguntou-lhe o soberano, se queria alguma coisa para si e seus camaradas ele trabalho. A resposta brotou, espontânea e digna: «Senhor, queremos que nos respeitem».

Grito que vem de dentro de nós: o que se quer, primeiro, é respeito, e o agradecimento é uma afirmação de respeito. Por isso a gratidão toca tão vivamente o coração humano.
É preciso saber agradecer aos que nos cercam, a começar pelos mais próximos, que correm o risco, se nos descuidarmos, de serem os eternos esquecidos. É necessário, de tempos a tempos, fazer uma paragem, olhar um pouco para trás e dizer as palavras que ficam, mas do que merecem, esquecidas, subentendidas, e que devem ser ditas, de vez em quando. A palavra «obrigado» pertence a esse número.

AGRADECER A DEUS

É essencial também, que saibamos agradecer a Deus. Agradecer o quê?
Mas..., primeiro, por ser Deus; é a grande prece de reconhecimento para com Ele. Obrigado, Senhor, diz o «Glória» da missa, pela vossa imensa glória. Agradecer a Deus por ser Deus, na comunhão com a sua própria alegria. Carlos de Foucauld exprimia a sua gratidão, dizendo a Deus, no meio dos seus trabalhos e das suas aflições pessoais, esta frase, impulso de puríssima adoração ordenação de todas s coisas: «Meu Deus, a vossa beatitude me basta».
Esse «obrigado» é caridade teologal em toda a sua lógica.
É preciso, também, agradecer a Deus por tudo quanto lhe devemos. Há nisso permanente motivo de contentamento e gratidão. Nunca se findaria de enumerar as suas bondades. Basta-nos dizer, que devemos agradecer a Deus por ser nosso Pai, porque temos a alegria de ser com toda a verdade seus filhos: somos divinos naturalizados, seus filhos adoptivos.
Agradecer a Deus, por ser nosso Irmão, por se ter tornado como um de nós, para, com ele e por ele, entrarmos na família divina, de pleno direito e integralmente.
Agradecer a Deus, por sermos santificados pelo Espírito «que faz os santos e os vivos», que nos quer fazer penetrar na própria profundidade de Deus e associar-nos ao impulso do seu amor.
É necessário saber agradecer, também, por cada objecto à nossa disposição: pela casa que nos abriga, pela mesa em que trabalhamos ou comemos, pela cama em que nos deitamos, pela cadeira em que repousamos, pelos livros que nos alimentam, pela lâmpada que nos alumia, pelo fogo que nos aquece, pelos amigos com que deparamos ao sabor da vida, por mil e uma outras coisas ao alcance da mão. É Deus que nos dá tudo isso, por intermédio das causas segundas. Para Ele deve subir a nossa gratidão, como para a suprema causa de todos os nossos bens.
Interessante é muitas vezes, e esclarecedor, também, apanhar de fugida as últimas palavras proferidas neste mundo por alguma alma de eleição. Traduzem, às vezes, o sentido de toda uma vida e abrem horizontes para a espiritualidade que as animou.
Conheceis a última prece de Santa Clara, essa alma pura e fragrante, que respondeu tão generosamente ao Evangelho? Sentindo que já ia morrer, voltou-se para Deus em derradeira prece, e ouviu-se que murmurava estas palavras: «Obrigada, Senhor, porque me criastes».
É o supremo agradecimento que toda a criatura deve ao Criador, é a exclamação da alma que compreendeu o esplendor do agradecimento.

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