Os gregos

Os gregos estão-se a ver gregos com a Europa. Este braço de ferro só pode ter um de dois caminhos: ou vence a democracia grega ou vence a ditadura económica europeia. Não percebo de política nem de economia. Nem este escrito tem pretensões políticas, económicas ou financeiras. No entanto, de humanidade percebo alguma coisa e creio que em tudo deve haver o respeito por um irmão.
Era eu pequeno, mas não assim tanto, tinha dez anos a fazer onze, quando o nosso país aderiu à então CEE. Que iria ser óptimo, como irmãos, sem fronteiras, com moeda única, numa entreajuda muito grande, até íamos passar a receber subsídios (que mais tarde se verificou que matou grande parte da nossa produção agrícola e piscatória), até as doze estrelas com fundo azul era uma evocação mariana como se de uma protecção se tratasse. Mas, para mim, o que de mais bonito a Europa trouxe foi mesmo a fraternidade: saber que eu, se estou bem, posso ajudar um país-irmão que está mal, porque "hoje por ti, amanhã por mim". Quase parecia um casamento, "unidos nas alegrias e tristezas, na saúde e na doença, todos os dias das nossas vidas".
De repente sinto que, afinal, o mais profundo deficit é o humano e o fraterno. O ideal da entreajuda falhou com a Irlanda, falhou com Portugal, falhou com Espanha e está a falhar com a Grécia. Mas, com a Grécia é diferente. Nós, o povo de brandos costumes, habituados ao Fado, submetemo-nos às imposições europeias, doa a quem doer, sendo que os primeiros a sofrer são os pobres. Apesar de tudo, todos os países afectados estamos mais ou menos estáveis (muita emigração, muito desemprego, muita pobreza alimentar, muita acção caritativa - vulgo esmolas - para ajudar tanta pobreza), mas o que é facto é que somos bons alunos e bem comportados: não cumprimos os valores que promovem a dignidade humana nem a fraternidade mas cumprimos os valores económico-financeiros quer nos impuseram. E agora achamos que a Grécia tem que sofrer (ainda mais!).
Mas gosto da Grécia. Porque com a Grécia está a ser diferente: o povo elegeu um governo que o defendesse do sistema suicida de um país ter que lucro, pagar as dívidas e os lucros, apesar do povo sofrer. A Grécia escolheu livre e democraticamente. E a União Europeia, que disse ser um grupo de irmãos de mãos dadas, e que há muito devia ter ajudado a Grécia, agora vem com ultimatos, estrangulando e extremando de tal modo as coisas que a Grécia vai ter de ceder, e adeus democracia. Porque não ganha a democracia, ganha a ditadura. É vergonhoso que a civilização que ensinou ao mundo a democracia, venha agora a ser vítima da ditadura. A ser assim, pergunto-me porque é que tem de haver um governo em cada país? Porque há eleições? O dinheiro é pouco e andamos a gastá-lo em Presidentes da Republica, Primeiros e Segundos ministros, secretários de estados e seus staffs, Assembleias da Republica e deputados... Para quê? Melhor seria haver um governo central europeu (que na prática já existe) e depois contratar cinco ou seis pessoas, delegadas desse governo central, para executar as decisões. 
Ironia e excessos à parte, muitos dos governos e governantes da União Europeia são cristãos e alguns até católicos. Não sei o que é que isso lhes pesa na consciência e nas decisões que andam a tomar. Nos últimos dias tenho-me lembrado muito de uma passagem do livro do Deuteronómio, o livro da segunda lei de Israel, em que se fala da misericórdia que se deve ter com o irmão com o pobre:
"Quando emprestares alguma coisa ao teu próximo, não entrarás em sua casa para tomar penhor. Esperarás fora, e o homem a quem fizeste o empréstimo é que virá cá fora trazer-te o penhor. Se esse homem for pobre, não te deitarás com o seu penhor. Devolver-lhe-ás o penhor ao pôr do sol para que possa repousar sob o seu manto e te abençoe. Isto ser-te-á contado como justiça diante do Senhor, teu Deus. Não explorarás o trabalhador pobre e necessitado, seja um dos teus irmãos ou um dos estrangeiros que estão na tua terra, nas tuas cidades. Dá-lhe o seu salário no próprio dia, antes do pôr do sol, porque ele é pobre e espera-o com ansiedade. Assim, ele não clamará contra ti ao Senhor, e não serás acusado desse pecado. Não violarás o direito do estrangeiro e do órfão, nem receberás como penhor o vestido de uma viúva. Lembra-te que foste escravo no Egipto e que o Senhor, teu Deus, dali te libertou. Por isso, te mando que cumpras esta ordem. Quando fizeres a ceifa do teu campo e te esqueceres de algum feixe, não voltes atrás para o levar. Deixa-o para o estrangeiro, o órfão e a viúva, a fim de que o Senhor, teu Deus, abençoe todas as obras das tuas mãos. Quando varejares as tuas oliveiras, não voltes a colher o resto que ficou nos ramos; deixa-o para o estrangeiro, o órfão e a viúva. Quando vindimares a tua vinha, não rebusques o que ficou; deixa-o para o estrangeiro, o órfão e a viúva. Lembra-te que foste escravo na terra do Egipto. Por isso, te mando que cumpras esta ordem."
Tenho pena que a União Europeia elogie a misericórdia que o Papa Francisco prega e defende mas não a pratique; tenho pena que a União Europeia seja mais economicista que humanista; tenho pena que a União Europeia tenha desfigurado a democracia, ao querer impor a lei por mais dura que ela seja; e tenho pena da Grécia, vítima de tudo isto, sem aparentes ajudas dos que estão no mesmo ambrulho.

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