Fim de tarde agridoce

Agridoce ou doceagri. O meu final de tarde começou por ser de alegria: batizei o Francisco, um menino com menos de um ano, conhecido de uma família que conheci quando me cruzei com um doente paliativo do Hospital da Luz. A esse doente acompanhei-no no final da sua vida, um final que nunca esquecerei. Fiz-lhe o funeral, casei o filho do meio, batizei no ano passado um neto e hoje outro. Em abril vou casar o filho mais novo. É gente de fé. O pai, que morreu no ano passado confidenciava-me certo dia: não peço a Deus um milagre para mim; peço que, no dia da minha morte livre uma criança de cancro.

Nunca se saberá se Deus o ouviu. Talvez sim. Mas, depois do batizado, fui ao IPO visitar uma criança de 10 anos, que sofre exactamente de um cancro malvado. Anda nesta luta há um ano e a coisa está difícil. A visita foi curta. Perguntei-lhe como se sentia, se tinha dores... Ás vezes sobram-nos palavras mas depois chegamos à conclusão que nos faltam palavras.

Gostava de ter dito a este rapaz que tivesse coragem apesar das dores, das brincadeiras perdidas, do corpo macerado, da falta de cabelo ou do inchaço do corpo. Gostava de lhe ter dito que, apesar da escuridão brilha sempre uma luz, ainda que fraca e pequenina. Gostava de lhe ter dito que Deus existe e que não é culpado de nada. Que Deus é como um amigo: não tem culpa mas está presente.

Gostava de lhe ter dito que não sofre sozinho. Que, apesar de não mostrarmos tristeza ou de não chorarmos ao pé dele, que apesar de não sofrermos o peso da doença como ele sofre, que estamos com ele. E que aquela pequena cruz que lhe está tão pesada é carregada por todos, até por Jesus.
Mas não lhe disse nada disto. Só falámos das dores, da cicatriz e da cabeça rapada... O trivial.

Todos sabemos que a nossa vida, mesmo que seja um ramo de rosas, tem sempre aqueles espinhos que picam mas que tornam as rosas bonitas. Todos sabemos que as nossas vidas são misturadas de mel e de fel, que todos passamos por momentos agridoces.

Umas vezes sobram-nos palavras, outras vezes faltam-nos palavras; mas, o silêncio, esse nunca está a mais.

Nesta noite rezo pelo menino que foi batizado e pelo outro que está num quarto do hospital, vendo passar os dias sem grandes melhoras, mas que continua com a pequena chama da esperança acesa. Que os dois se sintam muito amados por Deus.

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