fora do mundo e do tempo


Não sei quem sou nem o que faço aqui. Tudo me é estranho: o sítio, os outros, até eu sou estranha a mim própria. Todas vestidas como eu, mandam-me para aqui para rezar, para ali para comer, para acolá para me deitar. Como se eu soubesse o que isso é. Sigo o instinto: para rezar desço um andar, para comer vou para a sala do fundo, para um quarto a meio do corredor que é onde me deito. Só me lembro do antigamente: umas canções em latim, dos poucos nomes das pessoas de quem me lembro, está tudo morto e fico confusa: aquele parece que é o frei Domingos mas afinal disse-me que se chamava Filipe, aquela ali parecia-me a irmã Maria e afinal ela também diz que é outra! Não sei se a confusão é minha ou se são eles que estão a brincar comigo. E sinto-me baralhada. E para não me baralhar ainda mais calo-me e vejo. Isso sim, olhos abertos a tentar perceber o que é que está para aqui a fazer tanta gente, tantas freiras que me conhecem e que eu conheço com outros nomes.
E passam os dias, as horas e os minutos e eu aqui como os ponteiros: vou andando e deixando que o tempo e as ordens que me dão me orientem no meio desta desorientação toda. Mas não estou maluca… estou no meu mundo, vejo diferente e não consigo dizer o que vejo. Chamam a isto Alzheimer, uma doença… mas não me sinto doente… sinto-me ausente e o que vejo é tudo desfocado, tudo sem sentido… Mas não luto contra isto… vivo o melhor que puder, assim, continuando a fazer tudo o que me mandam. Isso sim, sei que é certo, porque aprendi há muitos anos: quem obedece não peca.

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