Entre a greve e o ficar calado

Estive o dia todo a pensar se escreveria sobre a greve que hoje aconteceu por toda a Europa. No Hospital perguntaram-me se eu não fazia greve. Respondi que não. Que o meu sindicado não tinha feito convocatória. Apesar de ser uma resposta verdadeira era meio a brincar.
E não fui às manifestações. Nem à da CGTP (tenho uma vaga ideia de ter ido a uma única, pelos finais dos anos 70, às cavalitas do meu pai, e de ter sido engraçada) nem à dos estivadores.
Há quem faça greve e quem a não faça, pessoas que a defendem e que a atacam (o Primeiro Ministro elogiou quem foi trabalhar e, tanto ele e o seu séquito, como o Presidente da Republica, não fizeram greve, este último até prestou declarações, imagine-se, a dizer que hoje trabalhava).
Ora, as greves só querem dizer uma coisa: que as coisas não estão bem. E fazer greve é melhor que fazer birra ou assobiarpara o lado. E, mesmo para aqueles que dizem que as greves não adiantam nada (concordo em parte), o certo é que é um direito que os cidadãos têm e, se fazemos tantas coisas na vida que pouco ou nada adiantaram para a melhorar, porque não fazer greve? Os efeitos não se vêm nas convocatórias mas sim depois de feitas.
Não creia o meu caro leitor que sou a favor das greves. Tou nem aí, como gostam de dizer os brasileiros. Como já disse, não faço greve nem vou a manifestações. Por princípio e não por ser a favor ou contra.
Mas reconheço que as greves denunciam. Denunciam promessas não cumpridas ou aldrabadas, denunciam que as políticas governamentais sociais e económicas continuam a apertar os mais pobres, denunciam que as medidas de austeridade em pouco afetam os ricos ou os folgados da classe média. Agora, se quem de direito não consegue ver isto, é outro assunto.

Uma palavrinha sobre as declarações da Isabel Jonet que incluem as de outras importantes personalidades sobre a crise e a greve. Às vezes metemos o pé na poça. Imagino que, para quem está em num programa em direto ou é apanhado desprevenido com uma pergunta maliciosa ou inocente, que se diga o que não queria ou o que afinal se disse não era o que se queria dizer. Trapalhices que acontecem. Mesmo sendo a Presidente do Banco Alimentar nem recebendo ordenado da instituição a que preside. O que é facto é que a Isabel Jonet não é alimentada pelos Anjos, nem Deus, na sua imensa caridade, lhe envia codornizes ao entaredecer e maná pela madrugada. Ou seja, pobre não será certamente: viverá dos rendimentos ou terá alguém que a sustente, a ela e aos seus filhos, que pelos vistos comem bifes todos os dias e lavam os dentes com água a correr.

Mas temos de lhe dar alguma razão. De facto há gente que vai ter de reaprender a viver. Para os pobres, coitados, a adaptação piora bastante de dia para dia: dos congelados vão passar aos enlatados e a depender mais do banco alimentar ou qualquer outra instituição que os ajude com arroz, açucar e leite. Vão andar mais a pé para comprarem o passe mais barato e pouparem aí cinco ou dez euros. Vão usar roupa até ao limite dos seus tecidos e talvez usar roupa de outras pessoas que já não a vestem. Os ricos só vão cortar nos excessos (por exemplo, deixar de ir a tantos concertos ou não almoçar ou jantar fora tantas vezes) mas para manter a qualidade de vida diária (filhos nos colégios, ginásio, carro, telemóvel, roupa de marca, casas de praia ou de campo e poder ir ainda ao estranjeiro se forem disciplinados nos extras).

Tive pena que a Isabel Jonet não tivesse feito um pedido, em nome dos pobres que alimenta, aos mais ricos: que, ao abdicarem de um concerto ou de qualquer outro extra, para não lhe chamar luxo, pensassem nos pobres, fizessem uma doação ou uma obra de caridade, direta ou indireta, como por exemplo comprar um medicamento àquela senhora com quem se cruzaram na farmácia e que não ia levar o medicamento porque não tinha dinheiro para ele. Então, ao chegar a casa o pai ou a mãe de família poderia dizer aos filhos: não vamos sair de fim-de-semana porque o dinheiro foi dado a um pobre que não tinha dinheiro para um medicamento e o resto vamos inverter em alimentos para quem não tem de comer, que não é o nosso caso. Isto sim é reaprender a viver e educar.

Às vezes o melhor é ficar calado e quieto. Depois de reler o que escrevi acho que se calhar até para mim teria valido mais.

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