Um verdadeiro amigo

Quer esta crónica prestar homenagem a um amigo meu, dos verdadeiros e dos mais novos, em idade e em relação. Para despistar vou chamar-lhe Bartolomeu, tem três anos e vive na Ajuda de Berço. É uma criança como qualquer outra criança, que gosta de falar, gosta de brincar e tudo o resto, mas em tudo sério. Comigo ainda é tudo muito confuso: ora sou Filipe, ora sou padre ora sou frei. Ontem perguntou-me porque é que eu era Filipe, padre e frade. Lá lhe expliquei que Filipe é o meu nome, sou padre porque rezo Missas e sou frade porque vivo num convento. Disse-me, então, que sabia uma canção que eu gostava. Perguntei-lhe qual era e era a do tenho um amigo que me ama.
O meu primeiro encontro com ele foi quando se teve de despedir do pai e vinha a chorar. Dei-lhe colo, que acalma sempre, e disse-lhe que não era preciso chorar que o pai viria vê-lo mais vezes.
Quando me vê vem ao meu encontro. E pergunta-me se trouxe ovos. Digo-lhe que não, que não sou nenhuma galinha, que as galinhas é que têm ovos e ele, enfadado, contesta sempre: não são desses! São dos cozidos! E eu replico: Ah! Esses é a cozinheira que faz. E continua ele: Não, são os que têm chocolate. Umas vezes tem sorte e outras não, depende.
Facilmente vemos o Bartolomeu a brincar com um amigo mais pequeno, imitando-o, ou até sozinho. A jogar à bola, ou outro jogo com outras pessoas, e tudo muito a sério: respeita a vez de cada um, fica contente se marca um golo ou se o defende.
Mas, pensará o leitor, isso não faz de uma criança um verdadeiro amigo. Terá razão, mas ainda assim, para justificar esta verdadeira amizade, vou contar dois episódios, inocentes, mas, para mim, fizeram deste miúdo um verdadeiro amigo.
O primeiro foi há tempos, quando um pequeno carro estava encalhado entre dois vidros. Ele levou-me lá e perguntou-se se lhe podia tirar o carro de lá. Lá lhe disse que ia tentar mas que ia ser difícil porque, apesar de ter um braço grande também era grosso e poderia não chegar lá. Fiz várias tentativas mas sem sucesso. Até que encontrei um tubo que me poderia ajudar a reaver o carro. E, enquanto todos estavam a ver se ia conseguir ou não, o Bartolomeu começa a bater palmas e a gritar, para me apoiar: Fe-li-pe, Fe-li-pe! E consegui reaver o carro lhe entreguei e que me agradeceu com um obrigado.
O outro episódio foi ontem, durante a Missa das 12. O Bartolomeu quando vem à Missa senta-se na primeira fila. Quer ver tudo, está atento, e ontem mostrou estar mais atento que às vezes os adultos. Estava eu a meio da homilia, a falar sobre o sermos Cireneus uns dos outros e que, por vezes, nós podemos sentir-nos sem forças. E perguntava eu, retoricamente: e quando eu estou cansado, quem me ajuda a levar a minha cruz? E o Bartolomeu, que parecia estar distraído, levantou alto o dedo dele. E eu reparei. Interrompi a homilia para lhe perguntar se ele me ajudava a sério e ele abanou com a cabeça a dizer que sim. Fiz-lhe o elogio, dizendo que não duvidava e que ele era o meu melhor amigo mais novo.
Provas de amizade destas mesmo que inocentes ou infantis, não as temos todos os dias. Mas cá está, a gratuidade e o desinteresse tornam uma amizade sincera e verdadeira. Razão tinha Jesus: se não vos tornardes como crianças...
(Giotto, pormenor do quadro da entrada de Jesus em Jerusalém: uma criança a apanhar ramos)

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