Feirão 2015

Este ano calhou assim. E há 11 anos que assim não era. Contingências da vida e do trabalho. Estou em Feirão, aquela que considero a minha terra. Diz-se por aqui que os Lisboa são os mais tristes porque não têm terra. Eu nasci em Lisboa mas o meu coração nasceu em Feirão. Aqui cresci, aqui tenho uma história de vida, aqui estou na minha terra que me dá paz.
Vir a Feirão, é fazer a experiência do regressar às origens. Como um filho que foi adoptado, que ama muito a mãe que o adoptou mas que sente o coração a bater mais forte quando está perto da mãe biológica. O meu coração bate mais forte quando saio da auto-estrada e entro na serra onde construíram Feirão. Abrir janelas e deixar entrar o ar. Aqui ainda é puro. Puro e fresco. Primeiro o cheio a giestas, que já deixaram cair a flor e começa a secar a semente. Depois, chegar ao Alto de Gosende, ver se tudo está no sítio. Sim, tudo está no sítio. Cotelo à esquerda e Feirão á direita. Abrir bem os pulmões, sentir o cheiro do feno, ainda verde, tão diferente dos odores de Agosto.
E dobrar as curvas apertadas de Feirão. O Cabo das Tormentas, para alguns. Tem técnica, claro está. O meu tio ensinou-ma o ano passado, o primeiro em que trouxe carro: Começa ao pé da fonte Seara. Aí reduz-se a mudança, e depois é ir subindo, devagar, fazendo bem a primeira curva, sempre do lado de fora, e depois a outra. É simples e, para muitos, faz-se com uma perna as costas. Para mim é mais difícil, não sei se algum trauma terá, mas a verdade é que aquela curva ia sendo, quando era criança, a curva da (minha) morte. Talvez conte este ano este retalho da minha vida.
E chegar a casa. Abrir portas, que entre o ar, ir arrumando as coisas. Reparei que um pássaro fez ninho no telheiro da casa. Aproveitou a nossa ausência. Já cá não está, nem pais nem filhos, ficou o ninho. Não me encontro com ninguém, a não ser à tarde, com a minha vizinha. Entre para dentro, senhor padre, dê cá dois beijinhos, como é que está tudo, está tudo bem, a mãe quando vem? O meu irmão e as minhas sobrinhas, os meus tios e a minha prima. Depois dessas perguntas, actualização de dados: quem morreu, quem nasceu e quem anda doente. A doença daqui é o cancro. Sempre assim foi, já de antigamente: ou se morria de velho ou de coisa má. Só que não se sabiam os nomes nem se iam aos médicos: via-se a criatura emagrecer, comentava-se que tem um mal ruim, ia definhando até ao dia que a morte a levasse; que Deus lhe perdoe, a terra lhe seja leve e fique lá muitos anos sem nós, era o que se dizia, e pouco mais há a dizer..
Mas voltando à manhã, que esta foi conversa da tarde, subir ao primeiro andar, vir à varanda e ver o Penedo Gordo. Aqui sim, digo que cheguei. Dizer que está tudo igual não é verdade. Só as pedras é que não mudam. O resto muda tudo: partes queimadas, árvores que cresceram e outras foram cortadas, lameiras com feno… nada é igual. Os castanheiros esses sim, cada vez maiores e sempre verdinhos. Já têm ouriço mas daqui até ter castanha… Este ano parece que tudo vem mais cedo, foi o que me disse a minha vizinha.
Em Julho Feirão é mais calmo: os que cá vivem todo o ano estão grande parte do dia nos campos. Vêm a casa comer e dar de comer, e à noite para cear e descansar. Os de fora são poucos. Agosto continua a ser o grande mês das férias.
Hoje celebro ao fim do dia e assim será, uns dias de manhã outros à tarde, para que o nosso coração esteja em Deus e sejamos úteis a quem de nós precisa.
E assim começa Feirão 2015. Com calma, descanso e trabalho.

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