Crónica de Burgos


Regresso de uns dias de descanso e de descoberta. Quatro dias para revisitar cidades onde estive, conhecer novos lugares chegando à conclusão que o imprevisto torna-se mais interessante que o programado. Aqui fica, em linhas gerais o que foram estes quatro dias.

1. Santiago de Compostela. Em ano compostelano (ano xacobeo em galego) foi bom regressar à Catedral do Señor Santiago. Antes, porém, passagem em Padrón, terra dos muito afamados pimientos-padrón que, como não é tempo deles, não se puderam degustar. O bonito de Santiago de Compostela é a cidade antiga, construída certamente a partir da catedral, onde se anda descontraidamente entre ruelas e arcos, pedras escuras e muita gente e muitas máscaras. Na Galiza celebra-se com alegria o 'Entroido' e as ruas enchem-se de festa. Pena que no Domingo, a catedral a rebentar pelas costuras, para assistir à Missa do Peregrino, não se tenha feito o ritual do "Botafumeiro"; afinal é um dos motivos de atracção, não só para turistas mas também para crentes. Não posso deixar de realçar o ensaio de cânticos para a Missa. O único cântico obrigatório era o Salmo. E o Cónego pôs-se a "regatear" connosco sobre o que é que queríamos cantar. Propôs para cântico de entrada um cântico que ele julgava que nós soubéssemos. Como viu que ninguém cantava perguntou se sabíamos o "juntos como irmãos" e foi um céu aberto. Disse o Cónego: "Pues ya está; quedamos con este!". O mesmo aconteceu com o cântico de comunhão "Tu que nas margens do lago", um clássico que sai sempre bem. Isto tudo para dizer que Espanha não tem lá grande qualidade musical, em termos de música sacra. No entanto, este reverendo cónego preferiu cantar coisas que o povo cantasse e não, como vamos vendo em alguns sítios de peregrinação, que a novidade semanal de cânticos faz com que as pessoas deixem de cantar. Cumpridas todas as prescrições dominicais e jacobeias dizemos adeus a Santiago esperando que, da próxima vez, nos ponha o botafumeiro a funcionar.

2. De Santiago a Burgos. Missa rezada faz-se o caminho para Burgos evitando a autoestrada. Fazemos o caminho de Santiago, em sentido inverso. Prevê-se o almoço em Lugo mas o Meson "A Brea" foi mais acolhedor e apetecível. Um pequeno restaurante no meio do campo, com peregrinos que vão a pé para Santiago e que ali param para descansar e almoçar. Sítio simpático onde a qualidade das refeições é de excelência. A paragem em Lugo "só para dizer que nunca se lá esteve", acabou por se revelar uma cidade "dominicana". Um convento de São Domingos, agora habitado por umas monjas Agostinhas Recoletas, uma praça com uma estátua de São Domingos e a Catedral, simples, austera mas de grande beleza. E de Lugo, agora só com duquesa porque o duque foi destronado por causa do divórcio, lá se seguiu viagem para Burgos.

3. Burgos. Cidade fria mas quente de hospitalidade. Sabe sempre bem ir a Burgos. A cidade não muda, as ruas lá estão, desta vez com neve pelas bordas, os fontanários congelados, mas ainda assim gente na rua, uns em caminhadas, outros na diversão do Carnaval. Como já é conhecida a cidade a opção é os arredores: São Domingos de Silos, Caleruega e Lerma. São Domingos de Silos, lugar acolhedor, no meu ponto de vista já mais turístico que espiritual, ali se visita a igreja, único espaço visitável porque é segunda-feira e a segunda-feira é dia santo para os museus. Caleruega só tem interesse para os dominicanos. É a terra de São Domingos. Ali nasceu e ali foi criado. Visita obrigatória aos lugares visitáveis: igreja, cripta, adega da Beata Joana de Aza, mãe de São Domingos, e o museu das Monjas Dominicanas que ali vivem. A que atende à porta é uma irmã holandesa, de oitenta e seis anos. O porquê de ela estar em Caleruega é simples: foi religiosa dominicana de vida activa. Era directora de um colégio. Reformou-se e mudou de vida: monja contemplativa em Caleruega há vinte e dois anos. Muito simpática, oferece doces para os frades de Lisboa que eu insisto em pagar porque apesar de sermos irmãos, todos somos pobres e precisamos de ganhar a vida. Em Lerma vive-se o segundo momento inesperado. A ideia de lá ir era para conhecer as Monjas Dominicanas que lá vivem desde 1646 (não se assutem... não são as mesmas...). Mas também matar a curiosidade sofre o fenómeno conhecido por "El milagro de Burgos". Não é uma aparição de Nossa Senhora nem nada do género. É simplesmente uma comunidade com 140 monjas, tendo 80% delas menos de 40 anos. Em tempos de crises vocacionais esta comunidade não se pode queixar! Não se consegue saber nada sobre esta comunidade. Mas a priora das dominicanas, responsável de um mosteiro de 14 irmãs, explica humana e divinamente o fenómeno. Mostraram-me as partes visitáveis do mosteiro e acabámos por rezar a Hora Intermédia com elas. Estão felizes, contentes e não têm inveja nem há rivalidade com as que estão na outra ponta da vila. De regresso à cidade, passagem obrigatória pela Cartuxa de Miraflores (a fotografia é a fachada da Cartuxa) para os "recuerdos".

4. Regresso a Lisboa. Estava pensada uma viagem rápida para Lisboa, com paragem em Salamanca para almoço. Mas lembrei-me do São Rafael Arnaiz, que era de Burgos e que, certamente, a trapa onde viveu e morreu estaria perto. Um telefonema para Lisboa deu as coordenadas e, outro momento inesperado: a Trapa de San Isidro de Dueñas fica a caminho de Salamaca e é só necessário sair da autoestrada por um quilómetro. E ali estivemos. Compras de livros e pagelas, visita à Capela de São Rafael Arnaiz onde repousam os seus restos mortais e, por ser perto da hora Sexta, rezámos com os monges esta hora, da qual gravei (com muito má qualidade) o seu princípio que aqui vos deixo.



Sobre a Trapa, escreveu assim São Rafael: "Quando os trapistas estão em oração, deixam por uns momentos de ser homens da terra, para se converterem em verdadeiros anjos, que, à semelhança do Céu, não fazem mais do que louvar a Deus; Ele que é três vezes Forte, três vezes Imortal, três vezes Santo". É uma comunidade numerosa (mais de trinta) e com duas vocações a começar.

Paragem em Salamanca, como previsto, onde encontro duas monjas na rua. Uma breve e alegre conversa com elas faz o desfecho desta pequena viagem por terras de Espanha e caminhos Jacobeus.

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