Ainda Feirão


Acabou o fresco, acabou a calma, acabaram as caminhadas nos caminhos toscos, acabou a paisagem verde e o chilrear das andorinhas às sete da manhã. Regresso a Lisboa. Mudança drástica: as paisagens são os prédios e os estádios, o fresco que vem é da ventoinha, as caminhadas são entre carros e buzinas, e às sete da manhã ouve-se o barulho dos carros a passar na avenida.
Mas é assim a vida. Fazer o quê? Lembrar os tempos bons. No entanto, para mim, Feirão não acaba. Não tenho pena nem saudades; para o ano, Deus querendo, lá estarei de novo, e isso mata-me as saudades. Agora é tempo de arquivar as fotografias e publicar no Youtube a meia dúzia de músicas de Igreja que gravei.
Mas a música de Resende não é só de Igreja. Se perguntarmos aos mais velhos como eram os serões dos meses quentes, respondem com saudade: ó sr. padre, era nas vessadas e nas cegadas e nas vindimas: trabalhava-se a cantar. À noite, vinha-se dos campos, arrumavam-se as coisas e ia-se para a eira dançar e cantar: uma concertina ou um violino fazia a festa: as chulas, as contradanças, as desgarradas, os malhões... coisas tão normais que agora só vemos dançar nos ranchos folclóricos. Passava-se fome mas era-se alegre. E tudo dançava e havia festa. Outros tempos, dizemos nós, hoje.
Há tempos, comprei um cd de 'Música regional portuguesa'. Um excelente trabalho de recolha de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça. E lá vinha a Chula de São Pedro de Paus - Resende!Fico confuso quando se fala deste e daquele como 'homens da cultura'. Não consigo entender a cultura como um uma fabricação individualista de ideias... nem a consigo conceber como uma espécie de elite de pessoas ou de ideias onde manifestações mais populares não podem entrar e são catalogadas como 'de segunda' ou "mais ligadas à antropologia"... Pobre cultura a de um país quando não é capaz de incluir a sua rica variedade de manifestações culturais, sejam elas mais ou menos elaboradas.

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