Os embates da vida



Entender a vida como uma planície, verde, cheia de beleza, sem mais nada, é uma ilusão. Uma paisagem bonita é aquela em que a combinação de volumes, cores e odores é quase perfeita.
E assim é a nossa vida. Talvez no meio da montanha não tenha tanta piada como vê-la ao longe ou do seu cume o horizonte dos nosso olhar.
Sendo a nossa vida uma paisagem, que será a planície ou a montanha? Cicatrizes dos embates da vida.
Ontem, duas conversas amargas. Duas grandes montanhas (por vezes esquecemo-nos que a beleza de uma montanha foi o resultado de um violento embate da terra) numa paisagem tão plana e tão calma. Uma mãe, num estúpido acidente - daquelas situações em que se diz à hora errada no sítio errado - perde um dos filhos. No hospital, entre lágrimas, vai desfiando as suas dores e angústias, como quem vai passando as contas de um rosário. Diz-me que teve a honra de o ver nascer e de o ver morrer. Diz que lhe custa não ter o filho, não o ver. Diz que ainda não descobriu o outro modo de presença, como a filha lhe disse. Mas que foi o melhor para o filho; os vinte e cinco anos que viveu foram de entrega: à Igreja e ao hospital - era a sua vida. E aqui, que dizer? Só as palavras do silêncio. Do silêncio e da fé. E dizer que vou rezar. Não como escapatória mas como compromisso: que Deus lhe alivie as dores e a console.
A outra conversa - esta para mim bem mais dura - foi a da notícia de que um amigo meu, de dez anos, que me ajuda nas Missas, está internado com um tumor e que começa hoje a quimioterapia. Que duro! E, também aqui, pouco há a dizer ou a comentar. Mais uma vez o silêncio. Afinal, também quando olhamos uma paisagem, o silêncio é a melhor linguagem.
É-me útil, hoje, a conhecida frase da Madre Teresa de Calcutá: "A todos os que sofrem e estão sós, dá sempre um sorriso de alegria. Não lhe dês apenas o teu cuidado, mas também o teu coração".
(Carl Gustav Carus, peregrino atravessando um rochedo, 1820)

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