Precisa-se de um final feliz


Amanhã, na Missa, vai ser lida, no Evangelho, a parábola do filho pródigo. Todos sabemos quase de cor esta "história": um pai com dois filhos, o mais novo pede-lhe metade da herança, sai de casa, gasta o dinheiro todo; aflito e sem amigos vai ter que trabalhar duro para conseguir algum dinheiro para sobreviver. Entretanto, ao ver os porcos comer bolotas - ele nem isso podia comer - pensa na casa do pai. Que mesmo sendo criado estaria melhor do que a guardar porcos. Decide ir ter com ele. Um dia o pai vê-o ao longe, corre ao encontro do filho, certamente terá chorado, beija-o, abraça-o, manda-o tomar banho e vestir-lhe boa roupa, manda matar animais para fazer uma festa para celebrar o regresso tão desejado deste filho perdido. O filho mais velho, sempre responsável, cumpridor, que fez tudo sempre tão bem feito, quando vem do trabalho ouve barulhos de festa. Um criado diz-lhe o porquê. O filho amua. Acha o pai injusto porque devia castigar o filho e recusa-se a entrar. E lá vem o pai, outra vez, ao encontro deste filho. Para lhe falar ao coração. Que não deve haver orgulho, ressentimentos, que mais importante que o irmão ter gasto a fortuna, foi ele ter-se arrependido, regressado a casa. Não valia a pena castigá-lo porque as circunstâncias da vida encarregaram-se de o fazer. E aqui acaba a história. Podemos presumir que este filho, mesmo carrancudo e contra a sua vontade, vai obedecer ao pai. E aqui temos uma história feliz.
Mas às vezes a vida tem finais infelizes ou só no último momento é que se consegue dar a volta à infelicidade.
Vejamos esta história que tem tudo para ser realidade: imaginemos que não é um pai mas uma mãe. Nesta história o filho "mau " vai ser o velho que, aparentemente sem porquê nem para quê, de repente, corta relações com os pais e com o irmão, vai viver para longe e nunca mais dá notícias. E a mãe vai esperando que o filho volte, que explique o porquê da mudança de comportamento e de casa. E os dias vão passando e a mãe adoece. Doença grave, daquelas que chamamos terminais e o filho não volta. Sabe que a mãe está mal, mas não aparece. E a mãe sofre. Porque já não tem forças para ir ver o caminho a ver se o filho volta... Podemos pensar que há orgulho nas duas partes, que tanto mãe como filho podiam arranjar caminhos de reconciliação, o filho mais novo podia fazer de ponte, o pai poderia também procurá-lo. Mas não. Não é inércia, não é má-vontade, queremos fazer tudo para arranjar um final feliz. Mas também nos sentimos impotentes. Queremos arranjar um final feliz a esta história senão ela acaba em tragédia, como as gregas ou a da rua das flores para nos ser mais familiar. O que fazer? O autor da história não consegue arranjar um fim para esta parábola. Começa a ficar nervoso. Enredou-se demais na história. Parece-lhe realidade. Tornou-se um narrador observador. Sabe de tudo como o omnisciente mas, de repente, escapou-lhe o fio da narração. Pode apagar uns parágrafos, pensar no final e encaminhar a história para esse final. Mas apagar não pode, estaria a contrariar a inspiração, seria como vergar ferro frio. E angustia-se. Bloqueia. Sai de casa como quem quisesse tentar sair da história. Mas não consegue. Tudo tão vivo. Já não é parábola, já é problema dele. Não é a mãe nem nenhum dos filhos, vizinho não pode ser porque os vizinhos não sabem o que se passa naquela casa. Enquanto caminha, tarde de Março que já aquece, decide ir visitar um casal amigo. Vai contar-lhes a história como sendo real. Não vai dizer que é escritor nem que se pôs a cismar nesta situação como se de um problema de álgebra se tratasse e não consegue chegar ao resultado. Não. Vai dizer que conhece um amigo que é amigo da mãe doente que espera o filho. É claro que os amigos vão logo pensar que pode ser um problema da família dele ou próxima a ele e que quer ajuda para resolver o desentendido. Mas enfim, é uma maneira prática de, pelo menos, nos distanciarmos da história. Os amigos percebem a angústia do narrador. E ele acaba por contar a história até ao limite porque a história parou, está tudo suspenso como se carregássemos no botão "pause" do comando, uma imagem parada: a mãe doente, na cama, com lágrimas nos olhos. A amiga responde: que situação complicada. O amigo não fala. Também é de poucas falas. O convidado olha para os dois. Sente-se impotente. faz-se silêncio. Muda-se de conversa. Afinal o motivo da visita era por causa do amigo que recuperava de uma operação. Está tudo bem, já espera ir à missa no domingo, retomar o estudo da História da Igreja, já vai no século III, está a fazer uma análise paralela do Império Romano com o Cristianismo. Ficou no papa São Caio. Foi ele que estabeleceu que ninguém pode ser bispo sem antes ser diácono e padre. E foi passando o tempo. O narrador ouviu com alguma atenção a história da História da Igreja, achou interessante, um dia com mais tempo vai até ler o trabalho e apronta-se para ir embora. Já à saída da porta, depois das despedidas, diz-lhe o amigo: Olhe, vamos rezar por essa família. Vamos rezar à nossa maneira: não que Deus dobre o coração do filho mais velho mas que Deus dê força à mãe para aceitar o final que a história tiver. O narrador agradece. Regressa a casa. Pelo caminho pensa em tudo e, finalmente, decide introduzir um outro personagem na história: Deus. Deus há-de tocar o coração de algum dos da família. Afinal Deus é um narrador omnisciente e omnipresente.
Para um leitor ateu esta história tem um final infeliz; para o leitor crente esta história não poderia ter melhor fim: Deus entrou na história. Deus pode dar sentido ao que não tem sentido. E o narrador deu-lhe o seu lugar, deu-lhe a caneta e o livro para que Ele termine a história. Certamente se Deus a termina, ela terá um final final feliz.

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