Arte
Impressionam-me as pessoas que pegam num lápis e fazem com naturalidade um desenho. Se calhar porque não consigo fazer um risco direito. As minhas aulas de Educação Visual, de Expressão Plástica e todas as que metiam desenhos eram para mim um verdadeiro tormento. Lembro-me dos lápis de cera, talvez os primeiros que usei, em que se pintava sobre papel manteiga, depois os lápis de cor, as canetas de feltro com aquele barulho que, só de pensar nele me arrepio ainda hoje, algumas vezes a aguarela... tanto investimento para nunca ter feito um desenho de jeito. Lembro-me só de um desenho, que voltei a repetir anos mais tarde. Uma vez, nos testes psicotécnicos que tive que fazer nos meus tempos de pré-seminário, mandara-me fazer o desenho de uma árvore. E eu lá fiz o melhor que pude: umas raízes, um tronco, os ramos e umas folhitas mal semeadas para não parecer árvore de Inverno. Resultado: a interpretação do desenho dizia que tinha pouca ambição, que era muito tímido, tinha que fazer desenvolver valores e talentos para poder vir a ser padre. Não sei se fiquei frustrado, não me lembro. Lembro-me de anos mais tarde, já para entrar no Seminário (sim, já fui seminarista...), voltar à consulta e, pasmem-se, com a mesma veneranda senhora. Embora não se lembrasse de mim. já ia com ela fisgada. No final da entrevista manda-me a tão esperada árvore. E deve ter sido esse o meu melhor desenho: ele foi terra, raízes muitas e grandes, troncos trabalhados com os feitios da madeira, os ramos também grandes e muitos para fazer uma grande copa, verde, com ninhos e passarinhos e, para culminar aquela obra de arte, um céu muito azul, com o sol a brilhar, andorinhas, e umas nuvens espalhadas pelo orbe celeste, poucas para não esconderem o céu. Uma delícia. Tenho pena de hoje não ter esse desenho. Conclusão: estava no ponto!
Mas como disse, foi o único desenho melhor concebido pelas minhas pobres mãos e com a genética falta de jeito.
Venero todas as mãos que desenham, desde as mais eruditas às mais simples, porque são criadoras. Gosto sobretudo dos desenhos (às vezes chamamos rabiscos) dos pequenitos: onde nós vemos uma bola espalmada eles dizem que é o pai, onde estão três ou quatro linhas, uma para cada lado, eles dizem ser a casa... e eu estou sempre de acordo com os desenhos deles.
Por vezes tenho a honra e a sorte de me oferecerem desenhos. Os miúdos e os graúdos. O mais bonito tenho-o emoldurado. Foi uma menina, talvez com quatro anos que, durante uma missa, me desenhou. Estou bastante bem, comparado com a realidade. No domingo passado, no final da missa da tarde, recebi um desenho da Margarida que agora partilho convosco. E digam lá: há coisa mais bonita que esta mistura de cores? A beleza deste desenho está na intensidade do momento: enquanto rezámos e cantámos, esta menina, inspirada, desenhou. Não sei a interpretação do desenho. Sei que ela gosta de flores. Reparem na dimensão da flor (talvez um malmequer ou uma margarida) , em relação ao sol ou à casa... Eu não faria melhor. Obrigado Margarida!