Uma nova estante


Há uma anedota entre ambientes religiosos sobre o que é um frade/monge de um convento/mosteiro mostra em primeiro lugar a um visitante: o beneditino leva-o à igreja, o franciscano leva-o à cozinha e o dominicano leva-o à biblioteca.
Dominicanos e livros têm tudo a ver. Normalmente (modéstia à parte) as nossas bibliotecas são boas, e não dispensa de que cada frade tenha a sua própria biblioteca, de acordo com os seus gostos, interesses e sensibilidades.
Hoje, depois de uma reunião da equipa de bibliotecários do convento, decidi fazer também um ajuste aos livros que tenho no meu quarto. E esta é a nova estante no meu quarto. Dedicada exclusivamente à literatura profana. Livros oferecidos, herdados ou comprados, esta estante começa pelos portugueses Aquilino Ribeiro (pensei que tinha o primeiro livro que li dele, era ainda miúdo, mas não tenho!), Eça (com o crime do Padre Amaro), Torga (continua a faltar-me o primeiro volume do Diário), Saramago (Tenho alguns, conseguirão contar uns oito, falta o Caim que está a ser lido e o Evangelho segundo Jesus Cristo, ou melhor, segundo o autor, que não há-de ter a dita de se acomodar nesta pobre e humilde estante), Florbela Espanca e por aí fora... Na estante de baixo temos poesia, pouca, sobretudo Florbela Espanca, a do Torga que, nunca tendo editado um livro de poemas apareceu há pouco com os que ele escreveu no Diário, Camões nos seus Lusíadas, o Frei Luís de Sousa do Garret (não é poesia mas também não é romance), e do outro lado da estante outros que não têm grande critério excepto, imaginem, os Lusíadas traduzido do Português para Latim por um frade dominicano português! A meio está uma cruz. É o protótipo da que se colocou na igreja do convento em Agosto.
Descemos um andar e entramos na literatura estrangeira, a começar pelos clássicos: O Dom Quixote (foi prenda!), Antígona, Odisseia, Ilíada... e tenho que incluir neste grupo O Pricipezinho. Também lá está Hermann Hesse, e Miguel de Unamuno, que é descoberta recente; do outro lado da estante: romance histórico. Fez parte de uma época da minha vida. Actualmente não acho muita piada. Mais abaixo temos literatura estrangeira de temática religiosa. E aqui há de tudo: Papas perversos e Rainhas trágicas, a história romanceada de três mulheres do Antigo Testamento... De todos estes livros alguns já foram lidos, outros consultados e outros ainda esperam o seu dia.
Toda esta descrição para dizer uma coisa e observar outra: dizer que um frade não tem que ter só Bíblias nas suas estantes! Observar que pode parecer vaidade estar aqui a mostrar esta estante... espero que não entendam assim porque assim não é. Como disse Cícero: "Uma casa sem livros é como um corpo sem alma ". Os livros que habitam o meu quarto, esta estante, podem não ser nada de especial, mas têm o valor que a minha cabeça lhes atribuiu. Não estão arrumados ao acaso, sei como chegaram até mim e sei que alguns deles mudaram a minha maneira de ver o mundo e de me ver a mim próprio e até de escrever e de pensar. Para mim, um livro é um professor com quem tenho muito a aprender.

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